27 fevereiro 2007

Bons remédios

Uma banda de rock, com um dos seus principais alicerces apoiado nas tradições dos blues, mas em que o primeiro detalhe distintivo era o facto de não dispor de qualquer guitarrista. Foi desta forma que os Morphine me foram sucintamente apresentados pela primeira vez. Isto passou-se por altura da edição do seu segundo álbum, Cure For Pain, quando o trio liderado por Mark Sandman estava a caminho de se consolidar como um fenómeno de culto, um dos mais importantes a emergir durante os anos 90. Os escassos meios utilizados pela banda - um baixo com apenas duas cordas, a bateria e os poderosos saxofones de Dana Colley preenchendo o espaço que, em circunstâncias normais, seria entregue a uma guitarra eléctrica - eram um cartão de visita suficientemente desafiador para ser ignorado. Escutei aquelas canções cruas e muitas vezes sombrias, gostei e passei a integrar a legião de seguidores dos Morphine, lamentando que o projecto tenha conhecido um fim abrupto com a morte repentina de Mark Sandman, em 1999. Ficaram as gravações e a possibilidade de voltar a ouvir temas como Buena, In Spite of Me, Let's Take a Trip Together e todas as outras, excelentes remédios para algumas dores.

26 fevereiro 2007

Um regresso a Ralph Towner

Durante um determinado período da minha vida, Ralph Towner arrebatou uma parcela importante, e merecida, do tempo que dediquei a escutar música. Isto por três razões essenciais. Primeiro, porque Towner é um guitarrista impecável; depois, porque se concentrou nos instrumentos acústicos, com destaque para a guitarra clássica, o que é pouco vulgar; por último, porque a música que compõe para os seus álbuns junta diferentes ingredientes, do folk ao jazz, passando pela erudita e pelo vanguardismo, resultando em algo novo e de personalidade muito vincada. Os seus discos, a solo ou em grupo, transportam-nos para ambientes muito especiais e não raras vezes intrigantes. Ontem, após uma longa interrupção, decidi voltar a escutar um disco de Ralph Towner. Escolhi um dos que mais aprecio, Batik, em que o guitarrista é acompanhado por Jack DeJonhette, na bateria, e Eddie Gomez, no contrabaixo. Um trio de luxo que faz música encantadora.

25 fevereiro 2007

A vitamina de Clifford Brown

A carreira de Clifford Brown como músico profissional durou apenas cinco anos, terminando de forma abrupta em 1956, num acidente de viação, quando o trompetista já tinha deslumbrado meio mundo e era considerado como um dos pontos de referência por onde o futuro do jazz iria passar. Jamais se saberá se esta previsão se confirmaria, mas as probabilidades jogam a favor desta tese. Se a vida e o percurso de Brown como músico foram curtos, o seu fortíssimo ataque quando soprava o trompete foi uma fonte de inspiração para grandes estrelas que lhe sucederam, como Lee Morgan e Freddie Hubbard. Memorial Album, que reúne os temas gravados em duas sessões realizadas em meados de 1953 para a Blue Note, é bem elucidativo sobre a energia e a entrega de Clifford Brown, aqui inteiramente aplicadas numa vitamina compacta de bebop.

24 fevereiro 2007

Miles e os novos territórios

Estaria a mentir se dissesse que a fase eléctrica de Miles Davis é a que mais aprecio em toda a sua carreira. Tenho uma especial predilecção pelo fabuloso quinteto dos anos 50 mas é evidente que esta circunstância não me impede de retirar grande gozo da audição dos discos em que Miles Davis, sempre à frente das tendências, fez a fusão entre o jazz, o rock e o funky, entre o final dos anos 60 e o arranque da década seguinte. Aliás, se alimentasse alguma resistência, discos como A Tribute to Jack Johnson certamente seriam capazes de a amolecer e tal atitude seria completamente inútil depois de ter a oportunidade de escutar os seis discos que integram The Cellar Door Sessions 1970, uma compilação de gravações efectuadas naquele clube de jazz que, lançada numa luxuosa caixa em 2005, veio presentear os admiradores do visionário trompetista com actuações inéditas. Levei algum tempo a deglutir as largas horas de música porporcionadas por esta iniciativa, mas acabei por dar o meu tempo por bem empregue. Miles é acompanhado por músicos ilustres como Keith Jarrett, Gary Bartz, Jack DeJonhette e John McLaughlin, em improvisos que vão desafiando e derrubando quaisquer fronteiras entre estilos, apoiados em tempos fortes e bem acentuados, como os que uma banda de rock ou de funky não desdenharia. The Cellar Door Sessions dá testemunho do trabalho de músicos sempre em busca de novos territórios, chefiados por um dos mais aventurosos que o jazz já conheceu.

23 fevereiro 2007

O regresso de um veterano

O que esperar de um novo disco de um dos grandes nomes do jazz, um veterano do saxofone, nome maior do bop e daquilo que se lhe seguiu e que começou a liderar gravações há mais de 50 anos? Provavelmente, a atitude mais prudente será a de baixar as expectativas. Quem aguarde inovação terá, nestas circunstâncias, grandes possibilidades de ficar desiludido. Pelo contrário, se a perspectiva for a de voltar a escutar um velho mestre nas disciplinas em que melhor se move, então Sonny, Please, a mais recente edição de Sonny Rollins, constituirá uma agradável surpresa. Sendo, actualmente, um respeitável ancião de cabelos brancos, Rollins é aquilo a que se pode chamar uma lenda viva e a música que se ouve neste novo disco honra os melhores momentos de um percurso que o colocou entre os grandes magos de sempre do saxofone tenor, um estatuto justamente adquirido através de álbuns incontornáveis como Saxofone Colossus ou Tenor Madness. Obviamente sem o fulgor de outros tempos, Sonny Rollins mostra, em Sonny Please, ainda ter fôlego e talento suficientes para fazer um bom disco de contornos clássicos. Apenas um senão: num disco de jazz, terminar um tema recorrendo ao fade-out é simplesmente deplorável. Acontece neste disco logo na primeira faixa, o que priva o ouvinte de escutar, até ao fim, um dos solos de Rollins. Fora este detalhe, trata-se de um disco recomendável.

22 fevereiro 2007

Uma fatia é suficiente

Este álbum tem pouco mais de 36 minutos de duração. Chega a parecer um desperdício caso se pense que, com um pouco de esforço, os Cake teriam sido capazes de gravar mais quatro ou cinco temas, aproveitando melhor o espaço disponível no CD. No entanto, se pensarmos que de um simples álbum de pop-rock, sem pretensões especiais, aquilo que se espera é um conjunto de canções que sejam, sobretudo, eficientes na captação rápida da atenção de quem o escuta, os Cake, de facto, talvez não precisassem de ir muito mais longe. Comfort Eagle é, todo ele, merecedor do pouco que exige a quem se disponha a escutá-lo? Nem por isso. Ao contrário do que mandam as boas práticas, o tema de arranque deste disco, Opera Singer, nem sequer é credor de grandes méritos, o que pode condenar o disco junto das audiências mais apressadas. O melhor que este álbum tem para oferecer está no meio, em temas como Short Skirt/Long Jacket, Long Line of Cars, Love You Madly ou na faixa que também dá o título à obra, onde os riffs de guitarra e as harmonias executadas no trompete apuram o paladar à música. É um bolo pequeno mas atraente. E a fatia que se estende entre as faixas quatro e nove é a mais deliciosa.

21 fevereiro 2007

Teste ultrapassado

Um dos interesses dos discos unplugged está em constatar se as canções resistem quando se lhes retiram os efeitos pirotécnicos da produção e, também, em perceber se os músicos que as interpretam são capazes de se sair do desafio, tendo apenas à mão meia dúzia, ou ainda menos, de instrumentos acústicos. É uma espécie de prova de fogo à qualidade dos temas e ao talento dos músicos. Um dos projectos mais bem conseguidos neste terreno, por vezes escorregadio, está editado num CD-duplo. Os seus autores são Dave Matthews e Tim Reynolds e o álbum intitula-se Live at Luther College. No palco, apenas os dois músicos e as suas guitarras acústicas, com Reynolds no canal esquerdo e Matthews no canal direito. Dave Matthews é um compositor com povas dadas, original e sofisticado, com habilitações que foram suficientes para construir um som personalizado e criar canções que são acessíveis mas que, simultaneamente, escapam à banalidade. Em Live at Luther College, à consistente matéria-prima imaginada por Matthews junta-se Reynolds, um guitarrista tecnicamente dotado que faz das suas intervenções um dos pontos altos da gravação. Veredicto? Teste ultrapassado com larga margem.

20 fevereiro 2007

A experiência de Billy Fox

Aqui está mais um nome que me era estranho, mas que já ficou registado na lista de valores emergentes cujos desenvolvimentos devem ser acompanhados de perto. Trata-se de Billy Fox, músico ecléctico, que já experimentou diversos estilos e que, agora, se concentrou no jazz, de mistura com referências latinas e orientais. A música de The Uncle Wiggly Suite reflecte esses interesses dispersos e tem a curiosidade de, como o autor do disco explica, se fundamentar no estado mental entre o consciente e o inconsciente que caracteriza o adormecer e o despertar. Para se inspirar, Fox fez a experiência. Preparou-se para dormir com os dedos em cima de um teclado. Os sons que ia produzindo ficaram gravados num mini-disc e, garante o músico, resultaram numa "atroz" música para piano. O disco que nasceu a partir dali é que não tem nada de "atroz". Tem um aroma vanguardista que se junta a ingredientes de jazz mais tradicionais, incluindo bop, e é merecedor de uma visita destinada a apreciar o excelente trabalho dos 13 executantes que se juntaram para interpretar a música criada por Billy Fox.

19 fevereiro 2007

As atmosferas de Mathew Shipp

A oferta de pianistas é, actualmente, variada e de boa qualidade. No mainstream e fora dele, são abundantes as solicitações. Entre as propostas mais gratificantes e inovadoras encontram-se as que são da autoria de Mathew Shipp, protagonista de uma intensa actividade discográfica, sobretudo a partir de meados dos anos 90, quer no lançamento de discos gravados sob a sua liderança, como enquanto responsável pela Blue Series, da etiqueta Thirsty Ear. Shipp foi construindo um universo muito próprio através das suas composições ou de versões de temas alheios, fundindo linhas clássicas do jazz com hip hop e vanguardismo, resultando a sua música num saudável e estimulante sopro de modernidade. Entre os discos que mais aprecio deste pianista, encontra-se Pastoral Composure, interpretado por um quarteto onde se incluem os nomes do trompetista Roy Campbell, do contrabaixista William Parker e, por fim, do baterista Gerald Cleaver. É uma gravação com uma atmosfera muito especial, por vezes pintada de tons escuros, mas terrivelmente sedutora.

18 fevereiro 2007

Eu ontem adormeci assim

O suporte em que, pela primeira vez, contactamos com um álbum tem uma forte influência na forma como fica gravado na memória. Houve muitos discos que conheci, e escutei durante largos anos, na versão em vinil. Outros, geralmente emprestados, registei em cassetes de 90 minutos, em que cabia aproximadamente um 33 rotações em cada lado. E estes simples factos mudaram a percepção que tenho, ainda hoje em dia, de dezenas de velhos álbuns. Um LP tinha dois lados e, por vezes, era curioso como se podia gerar uma conversa sobre de qual deles se gostava mais. Podia citar diversos casos exemplares. On The Beach, de Neil Young, é um deles. Na sua versão original, em vinil, tinha cinco temas no lado 1 e apenas três na face oposta. Foi precisamente esta que sempre me atraiu mais. Começava com a canção que dá o título ao disco, de 1975, prosseguia com Motion Pictures e terminava com Ambulance Blues. Era, e ainda é no formato CD, uma sequência de temas dominados por uma melancolia com poderes hipnotizantes, que coloco entre o material mais interessante que Young alguma vez produziu. Ontem, antes de adormecer e recorrendo à tecnologia digital, dispensei aquilo que antigamente era o lado 1 e fui directamente para a melhor zona da praia.

17 fevereiro 2007

O embrulho também interessa

"Se comprarmos um bom vinho, um bordeaux, por exemplo, vamos querer bebê-lo num bom copo. Não percebo por que a indústria musical mudou os seus hábitos. Antes do CD, todos faziam um packaging excelente. Agora, toda a gente imprime um livrinho em papel brilhante e enfia os discos naquelas estúpidas caixas de plástico." Exceptuando quando se refere a "toda a gente", porque, apesar de tudo, vai havendo algumas excepções, estou de acordo com as declarações de Stephan Winter que vêm hoje reproduzidas no semanário Sol. A capa de um disco não é, obviamente, o mais importante para quem gosta de música, mas um bem tão precioso merece um embrulho à altura daquilo que protege no seu interior. A etiqueta Winter & Winter é, de facto, exemplar nesta matéria, quer pela qualidade gráfica, como pelo investimento nos materiais de que são feitas as capas dos CD que lança no mercado. Por isso, merece ser aplaudida pelo esforço e pela dignidade e cuidado com que trata a sua mercadoria. Podia citar outros casos, porque quando se fala da Winter & Winter tem que se referir a originalidade de muitos dos projectos musicais que apoia, para além do luxo de cada edição. Mas hoje, a propósito das declarações do líder desta etiqueta, decidi escutar Accordance, dos acordionistas Guy Klucevsek e Alan Bern. É um álbum soberbo, que ganha muito em ser escutado recorrendo aos auscultadores, permitindo desfrutar plenamente da sua impecável gravação e estereofonia. A melancolia de Starting Over é comovente.

16 fevereiro 2007

O bebop que vem da Hungria

Miháli Dresch poderá ser um nome estranho para muita gente, mas o facto é que se trata de um dos grandes saxofonistas europeus da actualidade, nascido na Hungria e com provas dadas no manuseamento do sax tenor e soprano. Tropecei por acaso, aqui há uns anos, neste Hungarian Bebop, onde Dresch toca com o seu quarteto, integrado por Ferenc Kovács, no violino, Mátyás Szandai, no contrabaixo, e István Baló, na bateria. Fui movido para escutar o disco pela simples curiosidade de descobrir um nome que, na época, me era desconhecido, mas igualmente pelo facto de Archie Shepp, outro saxofonista, mas de origem norte-americana e já com intensa rodagem nas estradas do jazz, ser a estrela convidada do álbum. O folk húngaro tem, aqui, um encontro com a música improvisada, de pendor vanguardista, mas nem por isso Hungarian Bebop deixa de ser um disco relativamente acessível ao primeiro contacto. Entre os seis temas originais, cinco compostos por Miháli Dresch e um da responsabilidade de Archie Shepp, não é fácil decidir qual deles destacar. Mas se a intenção for a de aderir rapidamente a este disco, então o melhor é começar pelo fim, pelo tema que dá o título ao álbum.

15 fevereiro 2007

A luz de McCoy Tyner

Kenny Garrett frequentou uma óptima escola. O saxofonista tocou com Miles Davis nos derradeiros anos da carreira do trompestista e tem assinado, em pouco mais de vinte anos de gravações, álbuns de superior qualidade. Beyond The Wall, lançado no ano passado, é um dos seus projectos mais ambiciosos de sempre e um dos mais felizes. Neste disco, Garrett não só se rodeia de alguns dos grandes instrumentistas da actualidade, como Mulgrew Miller, no piano, ou Brian Blade, na bateria, como conta com a colaboração de dois experientes nomes que já têm o seu lugar assegurado na história do jazz: Pharaoh Sanders, no saxofone tenor, e Bobby Hutcherson, no vibrafone. O disco é uma homenagem assumida a McCoy Tyner, a quem Garrett agradece a inspiração e o facto de já ter tido a oportunidade de tocar com o pianista. Esta circunstância fica bem clara em Calling, tema em que a música modal de Tyner é claramente citada e em que Garrett e Sanders evocam John Coltrane. Sendo este um dos interesses do disco, outro, não menos importante, reside no facto de Garrett fundir as tradições musicais do Extremo Oriente com as do Ocidente. Um projecto arriscado, que inclui um sample de um coro de monges tibetanos, mas do qual o saxofonista se sai de forma brilhante. Não surprrende que esta gravação tenha figurado em diversas listas dos melhores álbuns de 2006.

13 fevereiro 2007

A luz de Coltrane

John Coltrane morreu há 40 anos mas é impressionante a influência que ainda hoje a sua obra exerce sobre dezenas de saxofonistas e de outros instrumentistas e compositores. O poder extraordinário da sua música inovadora, sobretudo a que foi produzida nos anos 60 com o seu quarteto histórico na companhia de Elvin Jones, McCoy Tyner e Jimmy Garrison, continua a atingir sucessivas gerações. Stefano di Battista, executante de origem italiana de saxofone alto e soprano, pode ser incluido entre os seguidores do grande mestre. O peso de Coltrane no seu som é bem evidente no ábum homónimo editado pela Blue Note em 2000, dando-se o caso, que não será coincidência, de o baterista que toca neste disco ser, precisamente, o veterano Elvin Jones. Em oito dos 11 temas deste disco, Battista tem ainda como parceiros o pianista Jacky Terrasson e o contrabaixista Rosario Bonacorso, a quem se junta o trompetista Flavio Boltro nas restantes três faixas. O repertório é da autoria dos elementos da banda, com a maioria a ser assinada pelo respectivo líder. É um dos grandes álbuns do jazz europeu dos últimos anos. E se todo o disco merece ser conhecido, o arranque com Elvin's Song é simplesmente arrebatador, pelo tempo forte imprimido por Jones na bateria e pela prestação de Stefano di Battista no sax soprano. Um perfeito delírio.

12 fevereiro 2007

Springsteen, revisto e aumentado

Há coisas especialmente irritantes. Uma delas são as estratégias comerciais das editoras, desenhadas com o objectivo de vender duas vezes o mesmo produto. Vejamos um caso. No ano passado, chegou ao mercado o novo álbum de Bruce Springsteen, We Shall Overcome: The Seeger Sessions. Incluia 13 temas. E a versão que eu adquiri era acompanhada, ainda, de um DVD com mais uns extras, entre os quais as imagens da banda em plena gravação, assim como umas declarações de Springsteen sobre a música em causa e a figura de Pete Seeger. O material era interessante, mas eu teria comprado o CD mesmo que não incluisse estes iscos. Descobri agora que acaba de ser lançada uma nova versão, revista e aumentada, isto é, com mais alguns temas que não figuraram na edição original, tal como eu a conheço. Ora, eu compreendo que as reedições em CD de discos inicialmente lançados em vinil incluam extras, pela simples razão de que havia frequentemente temas que pura e simplesmente não cabiam nos cerca de 45 minutos disponíveis num 33 rotações. Mas um CD editado há meia dúzia de meses já tem direito a versão "revista e aumentada"? É por estas e por outras que, por vezes, as editoras quase me fazem aceitar a pirataria como um acto de inteira justiça. Já agora, feito o desabafo, devo adiantar que este disco me fez voltar a gostar de Bruce Springsteen.

11 fevereiro 2007

Viagem à Lua

Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80, houve em Portugal uma onda de concertos de bandas e músicos da área pop-rock que estavam a caminho do seu auge, interrompendo a anemia a que o país esteve votado ao longo de anos. Portugal raramente fazia parte do circuito das digressões e os dois espectáculos que os Genesis, com Peter Gabriel, deram em Cascais, em 1975, constituiram uma das raríssimas excepções. Em Setembro de 1980, os Police já tinham lançado os seus dois primeiros álbuns, o terceiro vinha a caminho e, com a sua fusão entre reggae e rock, eram um dos grandes pilares da renovação empreendida pelo punk e pela new wave. No Estádio do Restelo, em Lisboa, com o palco montado frente à bancada que tem uma soberba vista para o Tejo, Sting, Stewart Copeland e Andy Summers tocaram temas de Outlandos d'Amour e de Reggatta de Blanc, apresentaram algumas das canções que integrariam Zenyatta Mondattta e protagonizaram um dos grandes concertos da época. Estive lá nesse dia e recordo-me bem da energia lançada pelos três elementos da banda sobre uma plateia onde não caberia um alfinete. Hoje, os Police vão reunir-se para celebrar 30 anos sobre o arranque da sua carreira discográfica durante a cerimónia de entrega dos Grammy's. Está previsto que interpretem Roxanne. Eu deixo a sugestão para que se assinale a data com a audição de Walking on the Moon, do álbum Reggatta de Blanc, talvez o tema que mais gostei de escutar, ao vivo, no único concerto que os Police deram em Portugal.

10 fevereiro 2007

O admirável mundo de Dylan

As canções de Bob Dylan têm sido fonte de inspiração para incontáveis projectos que, de uma forma ou de outra, homenageiam uma das grandes figuras da música popular do século XX. Um destes dias há-de surgir o novo disco de Bryan Ferry, antigo vocalista dos Roxy Music, que decidiu regressar aos temas do velho mestre, mais de três décadas depois de, para abrir o seu primeiro álbum a solo, ter gravado uma versão de A Hard Rain's A-Gonna Fall. Enquanto não surge a oportunidade de escutar o que Ferry ainda terá de interessante para oferecer, deve assinalar-se que há três músicos que são responsáveis pela proposta de longe mais estimulante, entre as que conheço, na exploração do vasto repertório da autoria de Dylan. Michael Moore, Lindsey Horner e Michael Vatcher são os elementos dos Jewels and Binoculars, uma iniciativa inteiramente dedicada ao universo musical de Bob Dylan que, tanto quanto me consigo aperceber, já resultou na edição de dois discos. Aquele que justifica este post foi o primeiro a surgir, gravado em 2000, em que se incluem as admiráveis releituras e a reinvenção de temas como I Pity the Poor Immigrant, Visions of Johanna ou Highway 61 Revisited. Quem aprecia Bob Dylan e jazz, tem que ouvir este disco. E também quem desconfia de ambos. Ou apenas de um.

09 fevereiro 2007

A gestão das expectativas

Quando uma banda causa enorme alarido e surpresa com um disco de estreia que acrescenta algo de diferente, a expectativa em relação ao sucessor é redobrada. Como a história está recheada de casos prometedores que acabaram por se quedar por estreias ruidosas mas fugazes, o ouvido experiente toma as suas cautelas. Vejamos a situação dos Clap Your Hands Say Yeah. Desde o nome bizarro ao conteúdo do seu primeiro CD, tudo estava talhado para que fossem entronizados como o próximo grande acontecimento da pop alternativa. E assim foi. Recolheram abundantes elogios, e justificados, pela sua obra de estreia, posicionaram-se como um dos projectos mais originais a surgir nos últimos anos e, depois da festa, recolheram aos estúdios para decidir o que fazer a seguir. Some Loud Thunder, a aguardada sequela, acaba de aparecer por aí, mas uma audição deste disco não deixa de causar alguma desilusão. Há boas canções, como Mamma, Won't You Keep Those Castles in the Air and Burning?, Satan Said Dance, Goodbye to the Mother and the Cover ou, ainda, Underwater (You and Me). Porém, a impressão geral é a de que uma parte do fulgor do arranque se perdeu pelo caminho e não foi substituído, banalizando onde se esperavam soluções criativas e colocando este novo disco uns degraus abaixo do anterior. Valerá a pena esperar pela terceira tentativa ou será melhor ir baixando as expectativas?

08 fevereiro 2007

O charme renovado dos anos 60

Sobre canções que despertam todos os sentidos à primeira audição, qualquer pessoa será capaz de nomear meia dúzia de enfiada, sem necessitar de esforçar demasiado o processador mental. Depois da referência que fiz anteriormente a Ghost In You, comecei a pensar noutros temas que me suscitaram atracção imediata. Uma das que que me veio à memória é mais recente. Integra o álbum Dear Catastrophe Waitress, dos Belle & Sebastian, o sexto na discografia da banda e um dos seus melhores, lançado há quatro anos. O tema em causa, que escutei acidentalmente numa altura em que já conhecia algum do trabalho dos Belle & Sebastian, é If She Wants Me. Tudo me soou bem logo ao contacto inicial. Desde a introdução com um riff suave tocado numa guitarra límpida, talvez uma Fender Stratocaster, ao orgão Hammond que ajuda a dar ao tema um atraente charme à anos sessenta. Dear Catastrophe Waitress está repleto de óptimas canções. I'm a Cuckoo e You Don't Send Me são dois bons exemplos. Mas If She Wants Me supera tudo o resto.

07 fevereiro 2007

Problemas entre paróquias?

Sou um mero apreciador de música e não conheço os meandros dos meios "jazzísticos" nacionais. Mas não deixo de me questionar sobre a natureza humana de cada vez que, na música ou noutra arte qualquer, leio ou ouço declarações que me fazem desconfiar de que algo mais poderá haver por detrás, isto é, guerrinhas entre paróquias que não adiantam, nem atrasam, antes pelo contrário. Tudo isto vem a propósito das declarações de Mário Barreiros, numa entrevista ontem publicada no Público, sobre Bernardo Sassetti. O baterista afirma que Sassetti é "um bom pianista" mas adianta não entender o "leitinho delico-doce que ele anda a desenvolver". No texto em causa, Mário Barreiros não vai mais além e é pena. Seria interessante saber a que se refere, afinal, para qualificar daquela forma o trabalho de Sassetti. Ninguém me encomendou qualquer sermão, mas a verdade é que não consigo atingir o sentido das afirmações de Mário Barreiros que acaba de editar, em sexteto, um álbum que tem tanto de clássico como de excelente (ver post anterior). Pode figurar, sem favor, entre os bons discos de jazz feitos por músicos portugueses nos últimos anos. Mas, quanto a mim, não chega para bater, por exemplo, Nocturno, de Bernardo Sassetti. Não sei se é, ou não, um disco delico-doce. Mas não tenho dúvidas de que é um grande álbum, merecedor de todos os encómios que lhe foram, e ainda são, dirigidos desde o seu lançamento. É uma referência obrigatória para quem gosta de trio de piano, contrabaixo e bateria. Basta escutá-lo.

06 fevereiro 2007

Uma visita aos arquivos

Há canções que nos conquistam à primeira audição e que jamais esquecemos. Um desses casos sucedeu-me com Ghost In You, dos Psychedelic Furs. Gosto da melodia simples, executada através do que julgo ser um sintetizador, que se vai repetindo ao longo do tema, interrompida apenas pelo refrão. E, também, da voz suave de Richard Butler que sobrevoa toda a canção, num tom invulgarmente optimista, pelo menos nas aparências, para uma banda que cultivava habitualmente uma música bastante mais densa e crepuscular do que aquela a que se pode ter acesso através deste tema. Os apreciadores puristas consideraram o álbum Mirror Moves, desde a época da sua edição, em 1984, como o menos conseguido dos Psychedelic Furs, denunciando-o como demasiado "comercial". Os próprios elementos da banda, começando por Richard Butler, acabaram por reconhecer a acusação, chegando a declarar arrependimento por o terem lançado. É-me bastante indiferente esta questão. Talvez por não ter adquirido o álbum na altura em que Ghost In You se tornou no cartão de visita dos Furs junto de um público mais vasto, a minha predilecção pela canção atingiu patamares elevados que ainda hoje se mantêm. E o facto é que foi um dos temas que me lembrei de reescutar, hoje, quando vasculhava a música arquivada no iPod. Foram quatro minutos e dezasseis segundos de puro deleite.

05 fevereiro 2007

O que eles são capazes de fazer às canções

"Lembrei-me dessa melodia de infância e comecei a brincar com ela. O título achei-o apropriado para nome de álbum: será a Melanie que está a resmungar por lhe termos estragado a canção ou sou eu a queixar-me dos meus músicos pelo que fazem com a minha música?" A citação pertence a Carlos Bica e foi retirada de uma entrevista à All Jazz que pode ser encontrada no site oficial do contrabaixista. A melodia a que Bica se refere é a da canção Look What They've Done To My Song que, há muitos anos atrás, deu fama à sua autora e intérprete, Melanie, transformando-se num êxito planetário. A declaração surgiu a propósito de o contrabaixista não só ter incluido uma versão do tema no seu terceiro álbum com o trio Azul, como também pelo facto de a escolha do título do disco ter acabado por recair sobre a canção em causa. A pop é uma fonte de inspiração para Carlos Bica e o músico assume-o: "eu acho que no fundo sou um músico de pop disfarçado de músico de jazz." O que isto revela de abertura de espírito já de si é muito positivo. Melhor, ainda, é a música praticada por Carlos Bica, Frank Möbus e Jim Black, de que já foi aqui deixada uma referência à sua mais recente edição, Believer. Este anterior disco da banda, a quem se desejam muitos e bons anos de vida, tem diversos pontos de interesse e, na minha opinião, o tema que lhe fornece o título nem sequer é o mais entusiasmante. Por mim, aposto em temas como Password, Bela, Heranças ou Durme, em que Bica utiliza o arco para fazer o contrabaixo suspirar de melancolia.

04 fevereiro 2007

O metro de Chicago e outras preciosidades

Um disco que, em cinco, reúne quatro dos nossos músicos favoritos tem fortes probabilidades de satisfazer as expectativas, a não ser que alguma catástrofe inesperada se tenha abatido sobre as criaturas em causa. Felizmente, não é essa a situação de In The Loop, um CD que me chegou às mãos por alturas do Natal de 2006, mas que só agora é contemplado com um post. Para começar, o disco é assinado por Ted Nash, um saxofonista que, por estas bandas, tem crédito praticamente ilimitado. Depois, inclui o pianista Frank Kimbrough, outro músico que não tem por costume desiludir os seus seguidores. Acresce, ainda, que no contrabaixo e na bateria estão, respectivamente, Ben Allison e Matt Wilson, dois valores seguríssimos em cada uma das modalidades. Para completar o cenário, deve mencionar-se o trompetista Marcus Printup que, em In The Loop, faz uma assinalável parceria com Nash na condução dos solos que se podem escutar ao longo do álbum. Este quinteto, que o seu líder identifica com o nome de Still Evolved, é um dos mais entusiasmantes projectos do post-bop actual e o disco em causa é mais uma prova. O tema que fornece o título ao álbum, inspirado pelo El - o metro ligeiro de superfície de Chicago - é apenas uma das preciosidades.

03 fevereiro 2007

Pouco, mas melhor do que nada

Dou uns toques na viola, o que corresponde a dizer que percebo muito pouco da poda e que, à medida que fui conhecendo mais música e, acima de tudo, o trabalho de mais guitarristas, comecei a alargar a duração das temporadas em que guardo a dita a um canto e até me esqueço que ela existe. De quando em quando, decido limpar o pó às cordas e ver se ainda consigo fazer alguma coisa que se possa considerar minimamente de jeito. Como o treino é escasso, estes curtos episódios em que decido testar novamente as minhas capacidades resumem-se a interpretar dois ou três temas de uma simplicidade infantil, mas que permitem acalentar a esperança de que, um dia, com tempo e força de vontade, ainda conseguirei tocar alguma coisa com um nível, pelo menos, digno. Ontem, foi um desses serões em que decidi matar saudades. Afinei a viola, rebusquei a memória e lá arranquei meia dúzia de sequências de acordes capazes de fazerem uma canção do princípio ao fim. Um dos temas foi Bad Moon Rising, dos Creedence Clearwater Revival, um dos singles clássicos da banda e incluido no álbum Green River. É pouco? Pois é. Mas saber tocá-lo, sem enganos nem hesitações nos seus complexos três acordes, é melhor do que nada...

02 fevereiro 2007

Eu ontem adormeci assim

O texto que acompanha o CD com a gravação do concerto realizado pelo duo Simon & Garfunkel em Nova Iorque, a 22 de Janeiro de 1967, exalta o evento como histórico na vida dos dois músicos e de quem teve a oportunidade de estar presente. Numa sala apinhada, foi necessário libertar espaço por detrás do próprio palco do Philarmonic Hall para acomodar a multidão. Paul Simon e Art Garfunkel eram já dois nomes consagrados, pela qualidade do primeiro como cantautor e pelo casamento perfeito que este fazia com a voz do segundo. É evidente que qualquer apreciador do duo já escutou os temas de Live From New York City, 1967, dezenas, centenas ou, possivelmente, milhares de vezes. É o meu caso. Mas não me canso. Nesta actuação, Simon & Garfunkel cumprem o desafio de interpretar ao vivo, sós em palco, muitas das canções que lhes justificaram a fama, espalhando pela sala o esplendor das suas harmonias vocais, com a perfeição que constitui uma das suas imagens de marca. A disposição com que se fica ao regressar a estas canções é bem ilustrada por The 59th Street Bridge Song (Feelin' Groovy). Aqui está um álbum para continuar a ouvir, mais umas dezenas, centenas ou milhares de vezes.

01 fevereiro 2007

Um nome a decorar

Um dos prazeres de quem gosta de música está na descoberta de novos discos e novos nomes. E uma das coisas mais irritantes que pode suceder em lojas como a Fnac é tentar escutar algum CD e deparar, nos postos de audição, com a mensagem "não cadastrado". Já me sucedeu em suficientes ocasiões para lamentar que uma iniciativa teoricamente excelente acabe por se revelar pior do que o antigo sistema, em que bastava pedir a um colaborador para escutar um ou mais discos para resolver o problema, fosse com que CD fosse. Presumo que a Fnac cortou custos com a iniciativa de digitalizar parte da música que tem para venda, mas já é altamente duvidoso que o serviço tenha melhorado. Bem pelo contrário. Resta, assim, tentar outras vias, nomeadamente aproveitar para explorar aquilo que se encontra nos postos de audição que se encontram em cada uma das secções. Aqui, faça-se justiça, já dei de caras com boas sugestões, como foi ontem o caso de Codebook, o mais recente trabalho de Rudresh Mahanthappa. O executante de saxofone alto já vai no quarto álbum como líder, mas só agora dei por ele. E em boa hora, devo dizer. Mahanthappa é um belíssimo músico e compositor, assegurando a totalidade dos nove temas do disco, apoiado por uma secção rítimica poderosa constituida por piano, contrabaixo e bateria. A música move-se nas fonteiras da vanguarda, é desafiadora, e o disco remata da melhor forma, com My Sweetest, uma faixa que justifica plenamente o título escolhido. O nome deste saxofonista não é vulgar, mas convém decorá-lo.