31 dezembro 2007

Um serão com a diva

Terminei o ano passado com os solos prodigiosos de Steve Ray Vaughn, através do visionamento de dois concertos no festival de Montreux. Para este ano, guardei algo diferente, adequado a uma passagem de ano que se adivinha tranquila. A banda sonora vai ser assegurada por Billie Holiday e o álbum eleito para a despedida de 2007 é Lady In Satin, um dos meus favoritos da grande diva, registado em 1958, cerca de um ano e meio antes da sua morte. Para além da voz e da entrega intensa de Holiday, o disco ganha um brilho irresistível com as orquestrações de Ray Ellis. O que mais dizer de um daqueles álbuns cuja música provoca frequentes arrepios na espinha?

26 dezembro 2007

Homenagem a Oscar Peterson

Oscar Peterson não ficará para a história do jazz como um inovador, capaz de rasgar fronteiras e desbravar novos terrenos. E essa foi uma reserva que muitas vezes foi colocada à sua obra. Faria algum sentido torcer o nariz se Peterson não fosse um pianista fenomenal, concentrado no mainstream, é certo, mas dotado de um soberbo talento como executante e de uma emotividade contagiante. Tenho vários discos deste gigante do jazz do século XX e hoje, que decidi escrever um texto a propósito da sua morte, senti dificuldade em escolher um que pudesse servir de homenagem à sua obra. Por fim, decidi-me por Night Train, de 1962, em que actua na companhia de dois dos músicos com quem fez um dos seus mais famosos trios: Ray Brown, no contrabaixo, e Ed Thigpen, na bateria. A excelência morava aqui.

23 dezembro 2007

O rei dos blues rurais

Foi hoje, finalmente, que decidi comprar um disco com uma parte do curto, mas notável, espólio musical de Robert Johnson, o bluesman que marcou gerações de guitarristas que lhe sucederam após uma curta vida. À falta do primeiro volume, que também teria ido direitinho para o saco de compras caso estivesse disponível, trouxe para casa o segundo episódio de King Of The Delta Blues Singers. São 17 temas, de um total de 29, registados por Johnson nos anos 30, entre 1936 e 1937. O som, como seria de esperar, sofre com a época em que foi captado e com a escassez de meios colocados à disposição para as gravações, mas nem isso é argumento para demover quem quer que aprecie blues de escutar e vibrar com estes clássicos. O álbum de Eric Clapton de homenagem a Robert Johnson pode resolver o problema a quem privilegie a qualidade sonora, mas os temas incluidos em King Of The Delta Blues Singers são as raízes e um testemunho incontornável dos blues rurais no seu expoente máximo. Com um rei destes, dá vontade de ser monárquico.

19 dezembro 2007

De casa para o estúdio

Ao quarto álbum, Sam Beam (aka Iron and Wine) acrescenta instrumentos e uma produção mais elaborada, menos doméstica, às suas canções. Depois de uma experiência bem sucedida na parceria com os Calexico, de que resultou um bom disco, apesar de curto, Beam regressa com algumas diferenças a assinalar. The Shepherd's Dog apresenta. em geral, um tom menos intimista do que os anteriores The Creek Drank The Cradle e Our Endless Numbered Days, a percussão é explorada com maior intensidade e fazem-se ouvir as guitarras eléctricas, embora com a suavidade exigida pelo baixo volume adoptado por Sam Beam quando canta. Há por aqui, uma vez mais, boas canções semeadas entre os campos da pop e do folk. Favoritas, para já: Lovesong Of The Buzzard, Carousel e Boy With A Coin.

17 dezembro 2007

Cubo mágico

A propósito da guitarra no jazz, um amigo meu comentava há dias que não é apreciador. A conversa tinha a ver com a minha sugestão de que escutasse o novo disco de André Fernandes, jovem guitarrista português que acaba de editar Cubo. O CD é uma confirmação da notável mais-valia que este instrumentista representa no jazz que se faz em Portugal. Tem apenas oito temas, mas neles se revela um guitarrista a atingir grande maturidade na execução e na composição. Acresce que surge apoiado por três outros músicos que em muito contribuem para transformar este Cubo num dos bons acontecimentos da música criada no país nos tempos mais recentes. Nada menos que o pianista Mário Laginha, o baterista Alexandre Frazão e o contrabaixista Nelson Cascais. Um quarteto de luxo, portanto. De momento, quando me encontro ainda em fase de exploração do potencial de prazer deste CD, o destaque vai para a segunda faixa do disco, Sal, em que André Fernandes e Laginha tomam as rédeas. Mas há mais, desde as melodias do tema de abertura, Belzebu Is In The Building, e de Perto, à canção final, Foi-se Embora. Será um cubo, mas um cubo mágico.

12 dezembro 2007

Kashmir e muito mais

Dezoito mil pessoas puderam testemunhar, em Londres, na segunda-feira passada, o primeiro concerto dos Led Zeppelin desde 1988. E os jornais de hoje dizem que se tratou de um assinalável sucesso. Robert Plant, Jimmy Page, John Paul Jones e Jason Bonham, filho de John Bonham, o falecido baterista da banda, deram uma volta pelos temas marcantes da carreira dos Zeppelin, aqueles que deixaram um registo indelével na história do rock. No texto sobre o evento que pode ser encontrado no caderno P2, do "Público", refere-se que Kashmir foi um dos momentos mais notáveis nesta prestação ao vivo dos influentes Zeppelin. Por acaso, Physical Graffiti, o álbum que integra a versão original daquele tema, esteve a rodar pelo meu leitor de CD, aqui há uns dias. Duplo vinil quando do seu lançamento, em 1975, é uma obra de grande fôlego, representando uma clara evolução da banda na direcção de composições e arranjos mais sofisticados e ousados, exigindo um suplemento de atenção a quem o escute, em comparação com álbuns anteriores, mais apostados no rock de apreensão imediata que transformou em hinos canções como Black Dog, Rock and Roll ou Whole Lotta Love. Kashmir é, também para mim, um dos grandes momentos de Physical Graffiti. Mas há muito mais, nesta obra intensa e ecléctica, desde o riff curto e pujante de Custard Pie até ao psicadelismo orientalista de In The Light. É um grande álbum, talvez aquele em que os Led Zeppelin atinjem o pico das suas potencialidades.

09 dezembro 2007

História de uma mentira piedosa

Recordo-me, como se fosse hoje, do dia em que me ofereceram este disco, na versão em vinil. Fiquei desconcertado. Nunca tinha ouvido falar da banda que, aliás, ostentava um nome um tanto ou quanto difícil de soletrar. Como nunca fui rapaz para virar as costas a uma proposta musical desconhecida, lá coloquei o disco dos Spooky Tooth a rodar no velho prato portátil. Achei o som muito fechado, não se escutavam com clareza os pratos da bateria, o que para mim tinha uma importância fundamental na época em que Ian Paice, dos Deep Purple, era uma referência. Ainda assim, aderi de imediato a Cotton Growing Man, o tema que abria o disco. Sobre o resto, fui começando a gostar aos poucos, embora, por cerimónia, tenha garantido, a quem me passou o 33 rotações para as mãos, que apreciava tudo. De uma avaliação global positiva do álbum, que não passava de uma mentira piedosa, passei para algo mais circunstanciado. Há por aqui boas canções como Old As I Was Born, Wildfire, Self Seeking Man e Moriah, um óptimo vocalista de voz rouca e emocionada, de nome Mike Harrison, e uma sólida banda de rock e rythm'n'blues. Mick Jones, o homem que manuseava a guitarra, veio, depois, a fundar os Foreigner (blhaaac!). You Broke My Heart So I Busted Your Jaw é um disco obscuro, mesmo para quem viveu a estimulante era da primeira metade dos anos 70, mas é credor de alguma luz. Desde que o descobri na versão em CD, por acaso, num improvável escaparate do El Corte Inglès, em Lisboa, tenho-lhe prestado justiça com frequência.

03 dezembro 2007

Docas

Há dias em que me sinto assim. E há dias em que gostava de estar assim. Sentado numa doca, a gastar o tempo. O desperdício, por um lado, e a tranquilidade que muitas vezes falta, por outro. Não passava de um puto quando a canção que dá título a este álbum póstumo de Otis Redding andou pelas rádios. É daquelas melodias que jamais me saiu da memória. Após muita procura e alguma hesitação, lá trouxe o disco para casa. E aqui estou, em mais uma experiência nostálgica, a escrever sobre um CD que inclui 11 temas, todos eles interpretados num tempo que, no meu tempo, se apelidava de slow. São todos bons, mas (Sittin' On) The Dock Of The Bay é um momento sublime para quem interpreta, para quem compôs (Redding e Steve Cropper) e para quem o escutou e persiste em não esquecer. Aqui fica mais um pedaço de nostalgia a propósito de uma carreira interrompida no auge.

01 dezembro 2007

Fresu e os veteranos

O primeiro detalhe decisivo para fazer deste disco uma obra de audição incontornável para qualquer apreciador de bom jazz está na excelência das composições, todas da autoria da veterena pianista Carla Bley. Depois, a banda que executa os temas de The Lost Chords Find Paolo Fresu está muitíssimo bem servida de instrumentistas experientes e com anos consecutivos de presença na primeira linha. Para além de Bley, o quinteto integra Steve Swallow, no baixo eléctrico, Andy Sheppard, nos saxofones soprano e tenor, Billy Drummond, na bateria e, por fim, o trompetista Paolo Fresu. É em redor deste talento, de uma nova geração, que surge o pretexto para o álbum, explicado num texto bem humorado que pode ser encontrado no folheto que acompanha o CD. Tudo somado, o que fica? As melodias criadas por Carla Bley, derretidas, nota a nota, no trompete de Fresu a quem é dado grande destaque ao longo de todo o disco. Duas composições merecem ser sublinhadas: a suite The Banana Quintet e Death of Superman/Dream Sequence #1 - Flying. É de escutar e de chorar por mais.