26 maio 2007

Como tramar um martelo e um berbequim

Confissão: nunca escutei este álbum do princípio ao fim. Comprei-o em obediência a um impulso consumista pateta. Com franqueza, considero que aquilo que se escuta neste CD não é música, mas admito que o defeito até seja meu. Também não compreendo por que motivo este acidente na carreira de Pat Metheny foi tão elogiado. Cerca de uma hora de pura distorsão parece-me apenas agressão sonora. Mas talvez eu seja um bota de elástico. O que nunca imaginei é que a posse de Zero Tolerance for Silence me viesse a ser útil para protestar com o vizinho que não cessa de furar as paredes e de martelar pregos a qualquer hora. Hoje, mal começou o ruído algures num andar perto de mim, coloquei este disco a tocar, com volume redobrado, fui tomar café e comprar o jornal e só regressei uma hora depois. O prédio estava em profundo sossego. Quanto tempo vai aguentar-se assim?

24 maio 2007

Um dueto surpreendente

Solução pouco habitual no jazz, este disco faz um encontro entre o piano e o banjo pelas mãos de dois executantes com currículo em cada uma das disciplinas. Fui surpreendido por esta edição recente que me espicaçou a curiosidade. Conheço melhor a obra de Chick Corea do que a de Béla Fleck, mas fiquei com vontade de compensar os pesos da balança. Os temas de The Enchantment apostam na melodia, percorrem, aqui e ali, o gosto pelos aromas latinos do pianista, que semeia neste disco os seus solos feitos de notas bem claras e definidas. Fleck faz algumas maravilhas com o banjo e se é verdade que não há nada de revolucionário na gravação, também é justo afirmar que a música produzida por este dueto é calorosa e provoca boa disposição.

23 maio 2007

Como tramar um berbequim

Um dos mistérios insondáveis no prédio em que habito está no facto de haver um vizinho, ainda não descobri qual, que tem o passatempo de furar paredes. Desde que se mudou para cá, não há dia, a começar logo pela manhã, em que não se escute o ruído do berbequim a abrir caminho pelo estuque dentro. Suponho que, por esta altura, a casa deva estar parecida com um queijo suíço. Desde que não deite o edifício por terra, não é problema meu. Apenas gostaria que perturbasse menos o sossego alheio. Mas, enfim, como se costuma dizer, é a vida. Para combater a poluição sonora, não há como escolher um disco que consiga erguer uma muralha de som. E quantos mais instrumentos, melhor. Hoje, perante nova investida deste indefectível adepto da Black & Deker, rodei o botão do volume para níveis habitualmente pouco frequentados enquanto escutava Inside Out, do trompetista Randy Sandke. O disco é apresentado como um encontro entre o mainstream e a "nova música" e, de facto, é mesmo disso que se trata. Tocado por um noneto em que figuram vedetas como Ray Anderson, Wycliffe Gordon ou Uri Caine, é uma espécie de clássico moderno, suficientemente poderoso para dar luta ao ataque de um berbequim.

20 maio 2007

Guitarra e violoncelo

Aqui há uns tempos, um amigo que é grande apreciador de guitarra descobriu o encanto da música de Bill Frisell. Julgo que escutou o álbum que foi recentemente editado por Frisell, na companhia do contrabaixista Ron Carter e do baterista Paul Motion, e ficou fã. Fez bem, porque Bill Frisell é um dos bons instrumentistas que por aí anda. Quando me perguntou se eu teria algumas sugestões de outros álbuns que lhe pudessem interessar, aconselhei Lookout For Hope, de 1988. Hoje, lembrei-me desse episódio. E como, também eu, estava com vontade de ouvir a guitarra terna de Frisell a derreter notas sobre os meus ouvidos, fui buscar aquele álbum para o colocar a rodar no leitor de CD. Um dos aspectos que me atrai no disco é o facto de o quarteto, para além da guitarra, contrabaixo e bateria, incluir um violoncelo, conjugação invulgar mas que resulta muito bem nesta gravação.

19 maio 2007

Novamente Jarrett

Para quem, como eu, tenha uma predilecção especial por trios de piano, há muito por onde escolher nos dias que correm. O piano é um instrumento bem servido de bons executantes, de Mulgrew Miller a Brad Mehldau, de Kenny Barron a Jason Moran, para apenas citar quatro nomes que me vêm de repente à memória. Este post, no entanto, não é sobre qualquer um deles mas, novamente, sobre Keith Jarrett. Concretamente, sobre a fenomenal música que se pode escutar nos seis CD editados em 1995, gravados ao vivo em três noites no Blue Note, em Nova Iorque. Hoje retirei da caixa o último disco e deliciei-me com clássicos como Time After Time e temas de puro improviso, criados na hora em cima do palco, como Desert Sun. A complementar a inspiração e o virtuosismo de Jarrett, estão os seus companheiros de mais de duas décadas, Gary Peacock e Jack DeJonhette. Um trio perfeito.

17 maio 2007

Um aroma global

Hoje apeteceu-me ouvir este disco. É daqueles que já há muitos meses estava repousado numa prateleira, fazendo parte dos exemplares que têm o privilégio de estar arrumadinhos, por ordem alfabética, integrando uma minoria que, por esta razão, é fácil de encontrar. Ben Allison é um bom contrabaixista e um excelente compositor. Em Third Eye, actua com o octeto Medicine Wheel e percorre, em nove temas, aquilo que eu qualificaria livremente como world-folk-jazz, isto é, uma mistura de tudo isto. Ouvem-se clarinetes, saxofones, piano preparado e, até, um oud. O elenco é de prestígio. Inclui nomes como Ted Nash, Frank Kimbrough, Jeff Ballard ou Ron Horton, gente que também frequenta o Jazz Composers Collective e o Herbie Nichols Project. É deste pianista, aliás, um dos grandes momentos de Third Eye, com a faixa Love is Proximity.

16 maio 2007

Prekop e a sua banda

Sou grande fã dos dois trabalhos a solo do guitarrista Sam Prekop. Gosto da mistura entre pop, bossa nova e folk que caracteriza os discos em causa, constituidos por canções frescas e relaxantes. Conheço mal, no entanto, a obra deste músico enquanto elemento dos The Sea And Cake. Acabei de encontrar uma oportunidade para preencher esta lacuna. O novo CD da banda surgiu por estes dias nas lojas. É um pouco mais "roqueiro" em comparação com o som de Prekop a solo, mas aqui "pouco" significa mesmo "muito pouco". Estamos no reino da descontracção e da pop alternativa que se distingue por ser boa música e não por se tratar de bom ruído. Everybody é um disco a descobrir.

15 maio 2007

Preservar as boas memórias

Tenho a versão em DVD de um concerto dos Beach Boys realizado no início dos anos 80. Visionei-o apenas uma vez, guardei-o e julgo que jamais voltarei a colocá-lo no leitor com o objectivo de o rever. Achei demasiado deprimente escutar aquelas canções juvenis da década de 60, interpretadas por uma banda que tentava, com muito pouca convicção, combater a evidente decadência. Naquele concerto, o contraste entre a alegria dos temas originais e o penoso arrastar dos Beach Boys em palco é algo que entra na esfera das coisas insuportáveis, que mais vale evitar. Não sei se os The Who, que amanhã actuam em Lisboa, andarão pelo mesmo caminho. Talvez não, a avaliar por uma ou outra prestação deles a que "assisti", também através de DVD. Mas há aspectos essenciais na música da banda que ficaram irremediavelmente pelo caminho, a começar pela voz de Roger Daltrey. Assim, apesar de ter sido desafiado a ir ao concerto, acho que vou recusar. Prefiro preservar as boas memórias e mantê-las resguardadas de quaisquer atentados. Talvez dedique um dos próximos dias à audição de Quadrophenia, uma das obras maiores dos The Who, dos tempos em que eram um dos grandes fenómenos do rock.

14 maio 2007

O passado de Keith Jarrett, II

Antes de ser o pianista criativo, exuberante, profundamente concentrado na exaltação do improviso puro que caracteriza as suas obras mais recentes, Keith Jarrett teve os seus anos de aprendizagem, em que foi pisando prudentemente o terreno do trio de piano até se sentir seguro para se lançar em aventuras mais atrevidas. Em Somewhere Before, de 1968, aquilo que se encontra é um pianista em busca do seu lugar como líder de uma banda, ousando gravar um disco em que todos os temas à excepção de um, My Back Pages, de Bob Dylan, são da sua autoria. Os desconhecedores desta fase inicial da carreira de Jarrett, depois de ter abandonado a banda de Charles Lloyd, encontrarão, na abordagem dos temas, a delicadeza e o liricismo que fizeram de Bill Evans uma referência para quase todos os grandes pianistas contemporâneos e posteriores. É um Keith Jarrett em fase de acumulação, como um vulcão prestes a explodir, aquele que se pode escutar neste disco. E que ninguém se deixe enganar com a frouxidão dos aplausos que se ouvem no final de cada faixa. Este é um disco a não perder na vasta discografia de Jarrett.

13 maio 2007

O teenager retardado

Um amigo meu, que já não é propriamente um teenager, esteve ontem à noite em Coimbra para assistir ao concerto de George Michael. Não o critico por isso. Há coisas pelas quais eu percorreria 400 quilómetros, ou até mais, mas não um espectáculo do antigo elemento dos Wham. Os gostos discutem-se mas também se respeitam. E quanto ao adolescente que, passe a literatura barata desta frase, vive em cada um de nós, eu tenho outras preferências. Por exemplo, os Cranberries. Já não era um jovem quando a banda apareceu e, no entanto, cheguei ao ponto de comprar um dos seus álbuns, aquele que inclui Linger, intitulado Everybody Else is Doing It, So Why Can't We?. A vocalista é cativante e este facto acaba por conseguir disfarçar muitas outras insuficiências. A começar por uma notória falta de imaginação das composições, assentes em dois ou três acordes que podem ser suficientes para fabricar êxitos dirigidos a quem ainda anda na fase da descoberta da música, mas que pouco mais acrescentam ao processo de enriquecimento de quem queira ir mais além. Parece que o concerto de George Michael teve 20 minutos de intervalo pelo meio. Ora, eu teria aproveitado para ligar o leitor de MP3 com o objectivo de escutar os Cranberries. Bastaria regressar a Linger e accionar a função repeat. O resto, contra mim falo, não tem grande interesse.

12 maio 2007

Eu ontem adormeci assim

É lamentável, mas o tempo não chega para tudo. Para escutar música ou ler os livros que se vão acumulando sem que surja uma oportunidade para lhes pegar. Felizmente, há escritores que resolvem uma parte do problema. Escrevem curto e o tamanho das suas obras é inversamente proporcional à dimensão do seu talento para contar histórias. Ontem, peguei na novela, acabada de ser editada em português, de Ian McEwan, Na Praia de Chesil. O cansaço não me permitiu devorar tudo, mas consumi um número de páginas suficiente para ficar a achar que se trata de um dos grandes livros de McEwan. Entre muitas outras coisas, trata de um problema de comunicação e das suas consequências numa situação em que devia haver fluidez e partilha entre duas pessoas. Talvez por isso, após ter fechado o livro peguei no iPod e decidi escutar Communiqué, dos Dire Straits, até ser vencido pelo sono. Ainda deu tempo para reescutar as guitarras límpidas que dominam o álbum em temas como News, Single-Handed Sailor e desfrutar da serenidade de Follow Me Home. Boa literatura, boa música e um bom final de dia.

11 maio 2007

O passado de Keith Jarrett

Decidi andar uns bons para trás na carreira de Keith Jarrett, um pianista com presença constante entre os discos que sujeito a maior desgaste sob os efeitos do laser do leitor de CD. E fui até a uma gravação que já não escutava há algum tempo, Fort Yawuh, registado ao vivo em 1973, no Village Vanguard, em Nova Iorque. Jarrett aparece aqui em quinteto, com Dewey Redman (saxofone tenor), Charlie Haden (contrabaixo), Paul Motion (bateria) e Danny Johnson (percussão). Jarrett, uma das sensações da época, expõe neste disco a sua visão sobre a fusão e o free, mas acrescenta-lhe a sua predilecção pelo improviso sobre temas de pendor mais "clássico", perfumados com um pouco de inspiração à John Coltrane. Há um claro contraste entre faixas como (If the) Misfits (Wear It) ou De Drums e a balada Still Life, Still Life. Para além da competência dos músicos que acompanham Keith Jarrett, é nesta diversidade de referências que está um dos poderes mágicos deste álbum. Um produto da época, mas que se pode, hoje em dia, desfrutar com grande prazer. Além do mais, a versão em CD traz 20 minutos de um tema extra, Roads Travelled, Roads Veiled e a oportunidade de escutar Jarrett a tocar saxofone soprano.

09 maio 2007

Björk dá-me a Volta

Descobrir um excelente disco é bom. Descobrir dois é ainda melhor. Depois de Frida Hyvönen, dei de caras com Volta, o novo de Björk. Já tinha lido algumas referências elogiosas ao mais recente CD da islandesa e estava com grande curiosidade de saber que desafios nele se poderiam encontrar. Não fiquei desiludido, antes pelo contrário. Björk regressou com um disco de que se gosta à primeira audição, mas sem cair em facilidades. De alguma forma, a música está mais próxima daquilo que fez em discos como Homogenic, com linhas melódicas de percepção mais imediata, mas os arranjos mantêm-se tão minimalistas quanto sofisticados. Há temas em que a electrónica comanda com dureza as operações. Noutros, como o que é interpretado em dueto por Björk e Antony, são os metais que se estendem solenemente por detrás das vozes. Menos cerebral, mais emocional, é o que se deve afirmar sobre a música de Volta, com Björk em plena maturidade. Será, seguramente, um dos grandes discos deste ano.

06 maio 2007

Melodias da Suécia

Until Death Comes foi lançado em 2005 mas apenas hoje chegou às minhas mãos. E completamente por acaso. Estava em exposição numa loja onde fiz uma visita rápida, mas suficientemente longa para o ter escutado. A protagonista chama-se Frida Hyvönen, que compõe as canções e escreve as letras, e vem da Suécia. Além disso, assegura o piano e o orgão que são a base, quase exclusiva, dos arranjos. O que se pode ouvir por aqui? Temas simples, melodiosos, de fácil acesso, pontuados por boas harmonias vocais e que contrastam com o vigor transmitido pela foto da capa, em que Frida surge em plena entrega, com a sua cabeleira loura pairando no ar. Para mais informações sobre esta óptima descoberta, pode consultar-se este site, que inclui algumas notas da própria autora. Entretanto, a quem ainda não conheça, aconselha-se a audição deste álbum. Felizmente, parece que da Suécia se pode esperar muito melhor do que a pop pimba dos Abba.

05 maio 2007

O arranque dos Acoustic Ladyland

Muita da música mais surpreendente que se pode encontrar resulta da fusão de diferentes estilos. Os Acoustic Ladyland incluem-se nesse conjunto de músicos que devem a sua razão de ser à junção de influências de origem diversa e que, no caso deste quarteto, um julgamento apressado poderia levar a acreditar ser impossível de empreender. Há ingredientes de jazz pós-bop que são essenciais no som da banda, mas esta jamais soaria de forma original se não se lhes juntasse o punk e uma veia vanguardista. Conheci os Acoustic Ladyland ao segundo álbum e só depois fui espreitar o primeiro CD da sua discografia, Camouflage. Este primeiro registo inclui mais jazz e menos punk do que o seu sucessor. É, por isso, menos cru e mais controlado. Mas isso não lhe retira qualidades, apenas se percebe que a banda privilegiou em Camouflage uma das suas paixões em detrimento da outra. Não se julgue também, pelo que aqui fica escrito, que os tempos rápidos e enérgicos são a única via que os Acoustic Ladyland sabem percorrer. Something Beautiful, um dos temas de Camouflage, é um momento de melancolia a não perder.

03 maio 2007

Mar da tranquilidade

Charles Lloyd é um saxofonista veterano mas esteve praticamente retirado a partir do início dos anos 70, quando decidiu dedicar-se ao ensino de meditação transcendental. Nos últimos anos, tem-se sucedido a edição de novos discos, na etiqueta ECM, revelando que Lloyd quererá, provavelmente, recuperar algum do terreno perdido. As actividades, na onda new age, com que ocupou boa parte do tempo que subtraiu à música, reflectem-se no ambiente relaxado dos seus lançamentos mais recentes. O saxofonista não regressou para inventar fosse o que fosse, mas para tocar standards e novas composições num registo em que impera a tranquilidade. Um dos seus grandes momentos é o álbum The Water is Wide, editado em 2000. E a principal razão está na circunstância de o quinteto de Lloyd nesta gravação ser constituído por grandes nomes do jazz, que complementam na perfeição a forma delicada e elegante como o saxofonista ataca os solos. A saber: Brad Mehldau, no piano, John Abercrombie, na guitarra, Larry Grenadier, no contrabaixo, e Billy Higgins, na bateria. É um naipe de respeito para um álbum à altura dos seus talentos.

02 maio 2007

Uma banda, um tema

Não posso dizer que os Human League sejam um dos meus grupos favoritos quando se trata de responder a uma vontade irresistível de escutar um disco de pop dos anos 80. Tenho apenas um CD de êxitos da banda, naquilo que é uma das raras excepções à minha regra geral de que mais vale ter os originais do que uma colectânea. E mesmo entre as canções que fazem parte do respectivo alinhamento deste Greatest Hits, os dedos de uma mão chegam e sobram para esgotar os temas que aprecio. Na verdade, há apenas um que verdadeiramente me faz vibrar. Esteve nas rádios durante algum tempo quando da sua edição, mas não chegou para me fazer comprar o disco dos Human League em que figurava. Estou a falar de Love Action (I Believe in Love), com a sua batida primária e sintetizador à altura do que de melhor se fez no universo da electrónica na década em que os League estiveram em alta.

01 maio 2007

Fabrico caseiro

Adem Ilhan começou por tocar viola baixo nos Fridge para depois se dedicar a uma carreira a solo. Já tem dois álbuns no activo, em que expõe as suas canções na área do folk, cantadas em tom reservado, sobre um fundo feito, sobretudo, de guitarras acústicas. Comecei por contactar com a música de Adem através do seu último disco, Love and Other Planets e, pelo facto de ter gostado, decidi ir depois explorar o que se escondia em Homesongs, o seu CD de estreia. Na essência, é isto mesmo. Temas com arranjos simples, sem especiais preocupações em relação a efeitos pirotécnicos, feitas em casa, mas para escutar em qualquer lado. Ringing in My Ears, These Are Your Friends, Everything You Need e One in a Million são quatro argumentos irrecusáveis para se aderir a Homesongs.