30 novembro 2006

Cem metros barreiras

Aqui há dias, em conversa com alguém que acabara de revelar a sua faceta de melómano, troquei informações sobre os músicos e os discos que nos foram escancarando as portas do jazz. Entre muitas outras referências, chegámos à conclusão que partilhávamos uma especial predilecção por um álbum de 1978. Tratava-se de Surge, do New York Jazz Quartet, gravação a que costumo deitar a mão quando estou perante alguma personagem que, regra geral por desconhecimento, se mostre relutante em relação à possibilidade de o jazz também poder ser música acessível. As complexidades do free e do avant-garde afastam os espíritos mais preguiçosos e, nestas alturas, é preciso usar alguma pedagogia. O tema de abertura, que ostenta o título do álbum, é tiro e queda. É veloz, fica no ouvido e inclui solos de flauta, piano, bateria e saxofones alto e soprano que não dão descanso, mas que também não cansam. O tema parece ter sido inventado precisamente para acorrer a estas situações em que é preciso derrubar barreiras. Sob o ponto de vista da eficácia, posso afiançar que Surge tem provas dadas.

29 novembro 2006

Para acabar de vez com os pés-de-chumbo

Funky, soul e blues foram os três ingredientes essenciais para o sucesso da música gravada e editada pela Stax Records entre os anos 60 e 70. A etiqueta de Memphis tinha uma banda residente, de seu nome Booker T. & The M.G.'s. Serviram de suporte a algumas das grandes vedetas da época, entre as quais Otis Redding e, muito mais tarde, até chegaram a fazer uma digressão com Neil Young. Em 1971, o teclista Booker T. e os três MG's já andavam de cadeias às avessas. Ainda assim, foi neste ano que lançaram aquele que me parece ser o seu melhor álbum e, também, o único que, durante anos a fio, conheci da sua discografia, iniciada em 1962. O disco em apreço chama-se Melting Pot e o tema que lhe dá o título foi um dos grandes trunfos dos DJ's para animarem as pistas de dança há mais de trinta anos atrás. Ainda hoje, aquela pujante conjugação de orgão, guitarra, baixo e bateria é capaz de fazer levantar do sofá o mais irredutível pé-de-chumbo. Paternalismo à parte, isto é que era música de dança.

28 novembro 2006

Separados à nascença?

Se alguém atento, mesmo que pouco imaginativo, fosse desafiado a dizer que grandes nomes dos blues e do rock poderiam dar pares perfeitos, ou algo próximo, JJ Cale e Eric Clapton seriam uma resposta óbvia. Os dois guitarristas têm estado de alguma forma ligados desde os anos 70, muito por força do talento de Cale. Foi este discreto mas influente músico que forneceu a Clapton duas composições que asseguraram outros tantos êxitos ao lendário guitarrista: After Midnight e Cocaine. Se o primeiro nunca procurou a fama, apostando sobretudo em fazer canções para tocar ao serão aconchegado no alpendre de casa, o segundo acabou por servir de veículo para que JJ Cale se tenha transformado em personagem de culto, estatuto inteiramente merecido. São duas faces da mesma moeda e se ninguém podia prever que algum dia iriam gravar um disco em parceria, essa ocasião acabou por chegar e, atrevo-me a dizê-lo, é um dos grandes eventos deste ano de 2006. O álbum chama-se The Road To Escondido, tem 14 temas em que predominam as canções da autoria de Cale e o mínimo que se pode afirmar é que é esplendido. E sabem que mais? Enquanto se escuta, não é fácil distinguir o que é trabalho de guitarra e voz de um e de outro. Fica a dúvida: será que foram separados à nascença?

27 novembro 2006

Um serão com Andrew Hill

A música de Andrew Hill não é fácil de encaixar numa qualquer classificação e essa é uma das forças da sua obra. O pianista desbravou o seu próprio caminho e enquanto, no início dos anos 60, o bop, com destaque para a sua versão hard, ainda era o estilo dominante, Hill começava a explorar novas paisagens, dando à estampa álbuns marcantes como Point of Departure e Judgment!. Ontem, no auditório da Culturgest, em Lisboa, Andrew Hill, apesar de notoriamente debilitado pela doença, não defraudou as expectativas de quem se deslocou àquele espaço para testemunhar a sua originalidade como instrumentista e compositor. Deu ampla liberdade aos seus companheiros de quinteto, Byron Wallen (trompete), Jason Yarde (saxofones alto e tenor), John Herbert (contrabaixo) e Eric McPherson (bateria), para evoluírem sobre os temas que ia introduzindo a partir do piano. Para quem não teve oportunidade de assistir ao evento, Time Lines , editado este ano, dá boa conta do que se escutou durante este serão.

26 novembro 2006

Sim, há quem não goste de Bach

A não ser por puro divertimento, não gosto de entrar em discussões sobre se este ou aquele compositor é melhor do que outro qualquer. É evidente que tenho as minhas preferências mas também tenho consciência de que o terreno é escorregadio e a subjectividade é uma armadilha para quem pretenda ser detentor da receita mágica para fabricar a pólvora. Julgo que o bom melómano é aquele que mantém os ouvidos e o espírito bem abertos, estando sempre disponível para fazer novas descobertas. Ainda assim, há coisas que me deixam desconcertado. Como escutar alguém a dizer que não gosta de J.S. Bach. Mais surpreendida deve ficar uma pessoa, quando tal opinião, ao contrário de infundada, se baseia na audição de uma parcela razoavelmente vasta da obra do autor da síntese final do barroco. Lá diz o ditado que "gostos não se discutem". Mas como não me dou por vencido, aqui fica a sugestão para eventuais militantes anti-Bach de que ouçam as Variações Goldberg, tocadas no cravo por Pierre Hantaï e editadas em 1992. Pode ser um estímulo para que comecem a baixar as defesas.

25 novembro 2006

A boa propaganda de Mulgrew Miller

Mulgrew Miller é um pianista de referência, um mestre no competitivo mainstream, onde a luta pela excelência se concentra na habilidade para explorar a matéria-prima fornecida pelo bop. É um executante virtuoso, melodista, e não só recorre a temas de gente consagrada como Lorenz Hart e Richard Rogers, como aposta fortemente nos seus próprios recursos como compositor. Com o passar do tempo tem amadurecido as suas qualidades e as suas mais recentes gravações mostram-no num pico de forma. The Sequel, disco de 2002, apresenta-o na liderança de um sexteto, rodeado de solistas que se situam na nata dos seus respectivos ofícios: Steve Nelson, no vibrafone, Steve Wilson, nos saxofones alto e soprano e Duane Eubanks, no trompete. É um daqueles álbuns que, como se diria na gíria desportiva, constitui um óptimo meio de promoção da modalidade, capaz de convencer os cépticos que olham de lado para o jazz.

24 novembro 2006

"Love", segundas impressões

Em declarações à revista Uncut, George Martin disse que um dos passatempos proporcionados aos fãs dos Beatles pela edição de Love, era o de tentarem identificar a origem das gravações utilizadas pelos produtores. Para o "quinto beatle", trata-se de uma tarefa para os próximos dez anos. Como não tenho, para já, a pretensão de chegar tão longe, limito-me a escrever sobre aquilo que me impressionou favoravelmente. Uma segunda audição de Love obriga-me a acrescentar que a mistura de Drive My Car, The Word e What You're Doing é um dos feitos mais notáveis deste projecto, pelo sentido de oportunidade que me faz pensar por que motivo ninguém ainda se tinha lembrado disto. Também me parece justo assinalar Strawberry Fields Forever, desde o arranque semi-acústico até à recuperação da versão original, para finalizar num feliz cocktail que mete pedaços de Hello Goodbye, Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band, Piggies e o solo de trompete de Penny Lane. Para rematar estas segundas impressões, assinalo o início de Lucy in the Sky with Diamonds, em que as notas começam por surgir dispersas e desarticuladas para depois se alinharem e fazerem a ignição da canção, tal como qualquer apreciador dos Beatles, mesmo que desatento, certamente conhece.

23 novembro 2006

Temas "menores"

Há muitíssimo mais para dizer sobre a música dos Genesis quando a banda era liderada por Peter Gabriel. Mas os dedilhados aplicados sobre as guitarras acústicas de Steve Hackett e Michael Rutherford (sobretudo do primeiro) e o piano percutido por Anthony Banks (na altura ainda não se apresentava como Tony) são daqueles detalhes que me fazem regressar frequentemente aos velhos álbuns da primeira metade dos anos 70. Se Supper's Ready é um excelente motivo para cultivar a nostalgia em relação a esses discos, também deve acrescentar-se que houve vida para além desse épico lado 2 de Foxtrot. A saber: Time Table e Can-Utility and the Coastliners. São dois temas "menores" de uma das obras-primas dos Genesis. Menores? É melhor ouvirmos essas canções outra vez.

22 novembro 2006

A síntese da América

Na sua página oficial na Internet, Bill Frisell qualifica-se como uma pessoa tímida, que não dança nem se envolve em lutas, mas que gosta de se divertir quando está a tocar. Justamente considerado como um músico exímio no que respeita a fazer a síntese da música popular norte-americana, juntando blues, jazz, country e rock, o guitarrista tem vindo a caminhar, nos seus discos mais recentes, em direcção a uma música acessível, decorada com as mais diversas soluções instrumentais e, claro, com o inconfundível som que extrai do instrumento em que é um dos grandes executantes de sempre. Atento ao que se vai fazendo em diferentes terrenos musicais, tem editado discos em que as tradições são injectadas com modernidade, criando projectos estimulantes e originais. Unspeakable ilustra bem esta situação e é um daqueles álbuns que deve ter proporcionado bons momentos a Frisell. A mim, que recorri hoje a este CD para limpar a poeira dos dias, forneceu-me assinalável deleite.

21 novembro 2006

"Love", primeiras impressões

Já tinha decidido arrebatar o "novo" álbum dos Beatles quando surgisse nas bancas, mas o alarido que os jornais do passado fim-de-semana fizeram com o acontecimento ainda me aguçaram mais o apetite. Assim, lá fui hoje comprar o CD para testar se os elogios eram despropositados ou se estávamos, realmente, perante algo diferente saído da engenhosa competência do produtor George Martin e do seu filho Giles. Não fiquei deslumbrado, mas gostei. Acho que num projecto deste género, em que os produtores tiveram acesso a todas as gravações dos fab four para fazerem delas mais ou menos o que quisessem, poder-se-ia ter ido mais além. Mas, enfim, do que se trata aqui é de dar conta das primeiras impressões. E, sendo assim, há soluções que justificam planamente a aquisição de Love. Após uma primeira audição, identificaria duas ou três. A sequência que junta a entrada de Blackbird a Yesterday, a genial conjugação de Within You, Without You com Tomorrow Never Knows e, ainda, a orquestração da versão acústica de While My Guitar Gently Weeps. Para já é tudo e já não é pouco.

20 novembro 2006

Clássico reforçado

Atrás de uns discos, vêm outros. Desta vez, o caso aconteceu com John Mayall. Depois de ter visionado o concerto do septuagésimo aniversário do rei dos blues britânicos decidi recuar no tempo, até à era de ouro do psicadelismo, ao ano em que os Beatles publicaram Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band e os Rolling Stones responderam com Their Satanic Majesties Request. Foi também em 1967 que, indiferente às tendências da época, Mayall editou um dos seus álbuns mais fortes. Na nova versão em CD, Hard Road surge com um som limpo mas com a mesma intensidade. Nos acrescentos, a que se costuma chamar bonus tracks, traz vários temas, entre os quais quatro que resultaram de uma parceria entre os Bluesbreakers e Paul Butterfield. Está lá tudo. Desde a guitarra de Peter Green à bateria de Ainsley Dunbar, sem esquecer a fantástica harmónica de Butterfield, um extra que faz deste disco um clássico ainda mais clássico.

19 novembro 2006

Um pouco de sol

Quando se prepara uma viagem de ida e volta entre Lisboa e Porto, há que tratar de aprovisionar devidamente o leitor de CD do carro. Se há discos novos em carteira que ainda não se teve ocasião de desfrutar, então não há que desperdiçar tempo e fazer o que está ao nosso alcance para tirar a máxima rendibilidade de um périplo que, sem pressas, pode representar seis horas na vida de uma pessoa. Se o stock eleito for ecléctico, tanto melhor, porque se misturam audições que exigem mais atenção, mas não a suficiente para perturbar a condução, com matéria de apreensão imediata. O novo disco da dupla sueca que dá pelo nome de Koop, intitulado Koop Islands, foi um dos que me fez companhia numa viagem recente. É uma boa onda para estas situações: tem canções jazzy, dançáveis e cantadas por algumas vozes femininas que, sem favor, se classificam como atraentes. Como um raio de sol que quebra a penumbra de um dia de chuvas intermitentes.

18 novembro 2006

O tesouro de Frank Kimbrough

Tenho seguido a carreira deste pianista, a começar pelas suas colaborações em diversas gravações alheias, como as que já realizou com o contrabaixista Ben Alison, prosseguindo pelos dois discos lançados em parceria com o vibrafonista Joe Locke e a acabar nos diversos álbuns que já editou como líder, desde o final dos anos 80. A sua produção caracteriza-se por uma notável regularidade em termos qualitativos e Play, álbum de que tomei posse há muito pouco tempo, segue nesta linha. Kimbrough regressa no formato de trio clássico na companhia de um jovem contrabaixista, Masa Kamaguchi, e de um dos grandes veteranos da bateria, nada menos do que Paul Motion. É mais um álbum merecedor de atenção, em que o piano vai deambulando entre as referências de Bill Evans e de Keith Jarrett e que vale pelo seu todo. Ainda assim, destacaria o tema Waiting in Santander. Com os seus cerca de oito minutos de irresistível melancolia, é um tesouro a não perder.

17 novembro 2006

O entusiasmo de Herbie Hancock

O concerto de Herbie Hancock realizado ontem à noite no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, foi daqueles em que se sai com a dúvida sobre quem se divertiu mais, se a audiência ou os próprios músicos. O pianista e a sua banda entregaram-se durante cerca de duas horas a uma revisão e reinvenção de muitos dos momentos mais marcantes da carreira de Hancock. E fizeram-no com um entusiasmo que contaminou o público, dando por vezes a ilusão de que a plateia estava ali para assistir a um concerto de rock. Ouviram-se grandes clássicos como Watermelon Man e Cantaloupe Island, mas em versões distantes das originais. Hancock estava ali para mostrar - se ainda fosse necessário - por que motivo é considerado um dos mestres da fusão e, sobre isso, ninguém terá ficado vacilante. Houve funky em doses fartas, suportado por uma pujante secção rítmica constituída pelo baixista Nathan East e pelo baterista Vinnie Colaiuta. Pelo meio, o guitarrista Lionel Loueke proporcionou um interlúdio empolgante de magia africana. Para prolongar estes momentos, há muito por onde escolher na discografia de Herbie Hancock. Fiquemo-nos por Head Hunters, de 1973, que se enquadra bem no espírito do que se viu e escutou no serão do Coliseu.

16 novembro 2006

Eu ontem adormeci assim

Esta grande figura usa turbante por nenhuma razão em especial e a partir de certa altura na sua carreira decidiu fazer anteceder o seu nome com o título de dr., também por nenhum motivo em particular. Bem vistas as coisas, estas seriam já duas boas justificações para simpatizar com a personagem em apreço. Acontece que há, ainda, uma terceira e mais séria. Lonnie Smith é um talentoso executante de órgão Hammond B3 e fez companhia a nomes de relevo do soul-jazz como Lou Donaldson. É um veterano que já anda nas lides desde os anos 60 e tem uma discografia pessoal que começou por ser prometedora, andou depois desinspirada e regressou aos eixos nos tempos mais recentes. Jungle Soul, de 2006, inscreve-se nesta nova tendência altista. É um álbum feito de música elegante e indicada para descomprimir. Resumo da história: foi este sr. dr. que me ajudou ontem a terminar o dia de forma saudável.

15 novembro 2006

Gozo e entretenimento

Os B-52’s foram um dos projectos mais originais a emergir da new wave. Muito pouco do que se fazia antes deles se lhes assemelhava. Depois de terem lançado o primeiro álbum, nem os próprios voltaram a conseguir fazer algo parecido, embora tenham lançado mais uma ou outra coisa interessante. A pop minimalista do disco de estreia desta banda tem tanto de toque de génio como de fruto da inexperiência. Rezam as crónicas que antes de decidirem formar os B-52’s, os seus cinco elementos mal sabiam tocar e nunca haviam estado ligados ao ofício. Pouco importa. Detalhes como este não impedem canções como Rock Lobster, Planet Claire, 52 Girls ou There’s a Moon in the Sky de, ainda hoje, se apresentarem tão frescas e viçosas como no dia em que começaram a passar nas rádios, nos tempos em que os B-52’s foram uma das next big things do crepúsculo dos anos 70. Este álbum é puro gozo e entretenimento.

14 novembro 2006

Derek "Tricks" Band

Este pode não ser o mais brilhante disco da Derek Trucks Band. E há, pelo menos, uma boa razão para isso. A versão de Afro Blue, de Mongo Santamaria, é frouxa e dá vontade de ir a correr para as velhas gravações de John Coltrane com o objectivo de confrontar as eventuais dúvidas com a sua falta de fundamento. Ainda assim, Derek Trucks é um belíssimo guitarrista e dá gosto escutar o sobrinho do baterista da Allman Brothers Band enquanto estende as suas referências, colhidas nos blues, no jazz e no rock, pelas cordas dengosas da slide guitar. Em território português, encontrar um único álbum que seja desta banda é praticamente um milagre, o que constitui uma tremenda perda. Mas aqui fica a sugestão de Soul Serenade, como introdução a uma banda tão ignorada, quanto imperdível.

13 novembro 2006

A fantasia de Lester Bowie

A propósito do tema de homenagem a Lester Bowie incluido em Arts and Crafts, de Matt Wilson, lembrei-me de um concerto a que assisti no Ronnie Scott's, em Londres, já lá vão uns bons pares de anos. O trompetista apresentou-se com a sua banda, Brass Fantasy, e fez uma bela festa, sem ligar a fronteiras de estilo. Saltou dos standards para temas da pop, pontuando a actuação com efeitos tirados do trompete que conseguiam arrancar sorrisos na plateia que enchia por completo o espaço do famoso clube de jazz. Julgo que no pequeno palco se acomodaram 11 músicos, entre os quais dois percussionistas e uma tuba que, por sua conta, ocupava a fatia de leão do espaço disponível. Como já há algum tempo não escutava qualquer disco de Lester Bowie, decidi que estava na hora de corrigir esta injustiça. When the Spirit Returns foi o álbum escolhido, gravado em 1997 mas lançado já após a morte de Bowie. É assinado por um nome grande da vanguarda, mas está cheio de temas acessíveis e representa de forma ímpar o espírito do projecto Brass Fantasy.

12 novembro 2006

Arte ou artesanato?

Arts and Crafts é um disco que dispõe, pelo menos, de dois fortes argumentos em seu favor. Primeiro, porque o sólido quarteto liderado pelo baterista Matt Wilson se lança em temas de Rahsaan Roland Kirk e Bud Powell, mas não só, para mostrar que o bebop estará bem vivo enquanto houver músicos capazes de encarnar a sua força e energia vitais. Depois, porque a qualidade dos executantes é de primeira linha. Terell Stafford, por exemplo, é uma boa razão para escutar este álbum, com o merecido destaque para o humor que coloca na faixa de blues, composta por Wilson, que homenageia o trompetista Lester Bowie. Arte ou artesanato, pouco interessa. Isto é música da melhor.

10 novembro 2006

Matar saudades com Van Morrison

A música de Van Morrison é daquela que resiste ao tempo. E se há personagem que se tem mantido fiel aos principais ingredientes que desde sempre constituiram o alicerce da sua obra - blues, jazz e folk no caso presente - ela dá pelo nome deste músico irlandês. Exceptuando Brown Eyed Girl, o hit que marcou o lançamento do seu primeiro álbum a solo depois da liderança dos Them, raramente se detectou qualquer preocupação em Van Morrison pela aposta num tema capaz de trepar nas listas de vendas. Daí que a sua popularidade seja reduzida em termos relativos, mas enorme caso se considere a significativa legião de apreciadores incondicionais, na qual me incluo. Faço frequentes incursões à discografia de Morrison e hoje decidi recuperar Tupelo Honey, de 1971, que escutei com o prazer de quem mata saudades de algo muito especial. Doce nostalgia, é o que é.

09 novembro 2006

O Natal, segundo Sufjan Stevens

Nem de propósito. Num post anterior tinha referido a hiperactividade de Sufjan Stevens. Hoje fui surpreendido, numa loja, com a sua mais recente edição. Trata-se nada menos do que uma caixa, com cinco CD e 42 canções de Natal, que Stevens foi gravando, ano após ano, a partir de Dezembro de 2001 e que serviram de presente para a família e amigos. É evidente que me bastou (mas nem isso seria necessário) escutar a primeira faixa, o clássico Silent Night em versão instrumental interpretada a solo por Sufjan Stevens, para me apoderar de um exemplar e trazê-lo para casa. No interior da caixa, simplesmente intitulada Songs for Christmas, é possível encontrar muito material de interesse variável: desde uns autocolantes que talvez façam as delícias das crianças, a um ensaio sobre o Natal, por Ricky Moody, e um conto escrito pelo próprio Stevens. Para assinalar a entrada na época, não estamos nada mal.

08 novembro 2006

A fusão de Dave Douglas

Actualmente, não faltam no mercado trompetistas de grande nível mas, provavelmente, nenhum consegue alcançar o virtuosismo, a orginalidade e a consistência de Dave Douglas. Acrescente-se, em abono de Douglas, que o seu inconformismo, que o tem levado a ir testando diferentes formatos ao longo da carreira, é tão elevado quanto a sua produtividade. Em 13 anos já lançou 25 registos discográficos em que surge como líder e dificilmente se consegue encontrar um que seja parecido com outro, embora os níveis qualititativos sejam invariavelmente altos. Keystone, que por estes dias me tem ajudado a combater o tédio matinal provocado pelos engarrafamentos, não é o seu disco mais recente, mas é um álbum que respira modernidade. Por cima de uma base rítmica que se aproxima dos padrões da electrónica para dançar, Douglas desenvolve solos que têm a sua marca inconfundível. Aqui está música de fusão no seu melhor.

07 novembro 2006

Uma, duas, três, quatro versões de Chicago

Sufjan Stevens é um músico prolífico e ambicioso. Quer gravar um disco por cada um dos estados que compõem os Estados Unidos da América, 52 ao todo, e apesar de ainda só ter editado dois CD no âmbito deste objectivo, isso parece não constituir impedimento para dispersar a sua atenção por outros projectos. Eu já me habituei a comprar, sem escutar, os discos de Sufjan Stevens que vão surgindo com regularidade no mercado. Ontem, estive a rever as três versões de Chicago que estão incluidas em The Avalanche, o álbum que reúne as "sobras" de Illinoise, com a que integra este álbum. É uma das grandes canções de Stevens e o facto de ir, para já, em quatro interpretações diferentes diz muito sobre a hiperactividade criativa de um músico que, pela minha parte, é indispensável nos dias que correm.

06 novembro 2006

Regresso dos bons velhos tempos

Quando um veterano regressa aos estúdios de gravação e saca da cartola um álbum novo, cheio de canções irresistíveis, tocado com o talento de sempre e, ainda por cima, recheado de boas companhias, tem que se agradecer o facto de haver quem saiba envelhecer bem. Tudo isto acontece com o novo disco de Bert Jansch, antigo guitarrista dos Pentangle, banda de referência do folk britânico, na transição entre as décadas de 60 e 70. Black Swan tem aquilo que de melhor se pode esperar deste velho herói, incluindo um impecável trabalho na guitarra acústica. Nomes como Beth Orton e Devendra Banhart dão uma ajuda, com as suas vozes, a transformarem esta edição num acontecimento incontornável. Os bons velhos tempos estão de volta.

05 novembro 2006

O bop de Eddie Higgins

Há ocasiões em que, não tendo vontade de escutar um disco específico, a escolha daquilo que vou colocar a rodar no leitor resulta de uma vista de olhos pelas prateleiras onde guardo os CD. Detenho-me num ou noutro, hesito, prossigo a busca e acabo por encontrar sempre algo que me parece ser uma boa ideia. Hoje, foi isto que sucedeu. Agarrei num disco do pianista Eddie Higgins ao qual já não dava confiança há algum tempo. Foi lançado em 1994 e tem por título Zoot's Hymns. É somente preenchido por bop muitíssimo bem tocado (e alguma bossa nova) e não tem qualquer outra pretensão. Cumpre a sua função e ajudou a passar uma tarde de domingo caseira.

04 novembro 2006

Um projecto ambicioso

A ideia de Joanna Newsom pegar na sua harpa e aventurar-se na gravação de um disco com apenas cinco longos temas e acompanhada por uma secção de cordas, pode parecer simultaneamente pretenciosa e desafiadora. Foi a economia dos meios utilizados em The Milk-Eyed Mender um dos motivos que o transformaram num acontecimento digno de registo há dois anos, quando este primeiro álbum a solo viu a luz do dia. Da simplicidade na música desse disco para a ambição de um projecto como Ys vai uma larga distância, mas o essencial não só não se perdeu, como progrediu em sofisticação. Joanna Newsom tem notórios recursos próprios quando o que está em causa é a composição. Este é o grande argumento em favor de Ys, já que os arranjos não ferem a música criada por Newsom, desta vez mais exigente para o ouvido do que o seu disco anterior.

03 novembro 2006

Música para contemplar

Tomasz Stanko é um trompetista veterano e um dos mais importantes nomes do jazz a emergir da Europa, com provas dadas como improvisador. Desde há alguns anos que estabilizou o seu quarteto e Lontano é o produto mais recente do entendimento entre músicos que já se conhecem com profundidade. Este novo disco é feito de silêncios e melancolia em que o piano de Marcin Wasilewski faz o papel de motor de arranque para o suave desempenho da banda. Da primeira à última nota, a atmosfera criada pela música é serena, macia e intimista. Um convite à contemplação.

02 novembro 2006

Um antídoto para dias cinzentos

O álbum de Don Byron que referi no post anterior é de 2001. Muitos anos antes, em 1954, o pianista Sonny Clark gravou um conjunto de sessões com o quarteto de Buddy De Franco, um dos grandes clarinetistas dessa era de enorme vitalidade do jazz que foram os meados do século XX. Os registos efectuados na altura deram origem a quatro LP que, agora, estão editados num CD duplo. São 27 temas em que Clark e Buddy De Franco, sobretudo este, dão corpo a uma música optimista e dançante, bem adequada para dar alguma cor a dias cinzentos.

01 novembro 2006

Clarinete latino

O clarinete é um instrumento com uma sonoridade extremamente sedutora e embora não seja o mais utilizado, tem contado com grandes executantes ao longo da história do jazz. Don Byron é um desses expoentes, juntando, neste caso, o virtuosismo a uma notável capacidade para surpreender os seus apreciadores através da busca de novas soluções, disco após disco. You Are #6 não é o seu trabalho mais recente, mas é um dos álbuns incontornáveis na sua discografia. Byron vai recolher aos ritmos latinos a poderosa base para colocar de pé uma música contangiante e cheia de swing.