26 janeiro 2008

Muita alma

Vamos imaginar o encontro entre os blues rurais acústicos e a mesma coisa tocada com intervenção, aqui e ali, das guitarras eléctricas, sem quaisquer objectivos de evidenciar virtuosismo onde ele não existe. E aí está um disco de música simples, magnética desde o primeiro contacto, capaz de premir o botão mágico que nos põe a bater o pé sem mesmo darmos conta disso. Por aqui, em Mo' Diggin', de Bo Weavil, há blues à farta, tocados com a alma que é necessária e muito próximos das raízes. Não há muito mais a dizer. Ouçam isto, se gostam de blues.

14 janeiro 2008

Eu ontem adormeci assim

Escutar apenas pop, cansa. Escutar apenas a pop que agrada a toda a gente, ainda cansa mais. Criar preconceitos por causa disso, é um erro. Uma coisa que se pode aprender à medida que se vai escutando mais música sem concentrar todo o tempo disponível num só estilo, é que o ecletismo compensa. Na pop, há muito lixo, mas também há muito trabalho feito com talento e inteligência. Os The Bird and The Bee, são um bom exemplo. Têm aquilo que, nos dias que correm, é quase obrigatório: uma suave e cristalina voz feminina. Mas têm, também, aquilo que falta, em geral: um enorme talento para a composição, esgueirando-se do óbvio para criar algo diferente, sofisticado, bem produzido e muito longe de soar como se já tivéssemos escutado isto alguns milhares de vezes. O selo da Blue Note dá, à partida, credibilidade a este disco. Mas não chega para explicar tudo. Vale a pena ouvir estas canções, optimistas como a pop mais pueril, mas profundas como poucas vezes sucede nestes terrenos. Eu ontem adormeci assim.

12 janeiro 2008

William Parker, o poderoso

Gosto de discos de jazz, em quarteto, sem piano, assentes num contrabaixo poderoso, que diz para onde é o caminho. William Parker sabe liderar gravações que se inscrevem neste género. Tem, ainda, a vantagem de saber escolher os bateristas que o ajudam a erguer as estruturas dos temas que regista nos seus discos. Hamid Drake, por exemplo, um soberbo executante, ajudado pelo facto de o som da sua bateria dispensar filtragens, surgindo com a qualidade natural de uma gravação de garagem, sem artifícios purificadores. Sound Unity tem, também, o contributo de Rob Brown, no saxofone alto, e de Lewis Barnes, no trompete. Todos juntos, fazem uma banda sólida, cheia de energia exaltante. Os menos pacientes podem começar pelo fim, um divertimento reggae, assente na linha do contrabaixo, antes de se lançarem no resto. Grande disco, é o que consigo garantir.

07 janeiro 2008

Monk revitalizado

Gosto mais de Thelonius Monk como compositor do que como pianista. E apesar de muitos dos seus temas terem já sido objectivo de múltiplas versões, por parte de músicos novos e veterenos, parece haver sempre a possbilidade de regressar ao espólio e de revitalizá-lo. É o caso protagonizado pelo baterista Ben Riley, em Memories of T, e com grande sucesso. Uma das curiosidades do disco está no facto de, entre os músicos que integram o noneto, não figurar qualquer pianista o que, em si, já é um desafio com interesse bastante para averiguar como isto soa. Uma das grandes virtudes do disco está nos impecáveis arranjos que o trompetista Don Sickler explica no texto que acompanha o CD (aqui está aquela que é, ainda, uma das vantagens de consumir a música em suporte físico). Outra, para além dos temas de Monk, está no forte naipe de saxofonistas que semeiam a sua arte pelo disco fora. São nada menos que quatro, capazes de nos fazerem vibrar de alegria, com as suas intervenções nos saxofones alto, tenor, soprano, barítono e baixo. Memories of T, justamente citado como uma das grandes edições de jazz de 2007, é uma celebração à altura do rasgo de Monk.

03 janeiro 2008

Notas mágicas

Há discos, como este, em que o sentido melódico de quem o interpreta nos torna cativos de uma magia intensa. Enrico Rava é um dos grandes trompestistas europeus, senhor de um talento superior para arrancar notas claras e bem definidas, cheias de emotividade e contaminadas de uma suave melancolia. Em The Words and The Days, Rava assina uma das suas melhores obras de sempre. Com Gianluca Petrella, no trombone, assegura os dois pontos-chave na música que por aqui se escuta, em diálogos serenos e distendidos. O quinteto é completado, na perfeição, por Andrea Pozzi, no piano, Rosario Bonaccorso, no contrabaixo, e Roberto Gatto, na bateria. É um disco para escutar muitas vezes, com a disponibilidade que a grande música merece.

01 janeiro 2008

Ano novo, lua nova

Uma das boas iniciativas do ano passado foi a edição do duplo-CD com 24 canções de Elliott Smith, integrando muito material que jamais tinha conhecido a luz do dia. New Moon, título que se deve ao facto de o cantautor, desaparecido em 2003, gostar de vaguear pelas ruas a observar a lua, expõe uma mão cheia de temas que poderiam ter sido editados nalgum dos álbuns que Smith lançou em vida. Nem sempre estas edições de material que foi ficando esquecido nos arquivos conseguem estar ao nível esperado. Mas não é esse o caso de New Moon. Muitas das canções são interpretadas apenas por Smith, limitando-se os arranjos à sua voz e à guitarra acústica, mas a qualidade do produto final é muito mais do que uma mera colecção de demos, daquelas que, noutras situações, pouco mais são do que meras curiosidades destinadas a militantes. A melancolia de Smith atravessa este álbum e serve, na perfeição, para quem procure uma banda sonora adequada ao primeiro dia de um novo ano, quando somos confrontados com a inevitabilidade do tempo que vai passando.