30 abril 2007

A super-banda de Lee Morgan

O primeiro aspecto a assinalar em Search For The New Land está no facto de reunir um grupo de músicos do melhor entre os que tomaram conta do jazz nos anos 60. Wayne Shorter (saxofone), Herbie Hancock (piano), Billy Higgins (bateria), Reggie Workman (contrabaixo) e Grant Green (guitarra) já fariam, só por si, uma espécie de super-banda de quem se poderia esperar uma boa escolha de temas e excelentes improvisos. Juntando a circunstância de a liderança desta gravação estar a cargo de Lee Morgan, fica completo um ramalhete de excepção que, através das cinco faixas originais compostas pelo trompetista, faz deste disco um dos mais apetecíveis de toda a sua importante carreira, ainda que esta tenha sido prematuramente interrompida de forma trágica. O disco foi lançado em 1964. No ano anterior, o hard-bop de Lee Morgan havia sido consagrado com a edição de The Sidewinder, gravação que surge, invariavelmente, entre os álbuns incontornáveis da história do jazz. A não perder: Search For The New Land, Mr. Kenyatta e, ainda, Morgan The Pirate, que encerra o disco com o elegante tempo de uma valsa.

29 abril 2007

O jazz no norte de África

Um encontro entre o jazz europeu e as tradições sonoras berberes é, logo à partida, uma ideia suficientemente forte para gerar expectativa. A fusão musical entre as duas culturas, inspirada no filme Remparts d'Argile, de 1970, realizado por Jean-Louis Bertucelli, é a proposta do disco com o mesmo título, lançado em 2001 por Henri Texier. O contrabaixista é um dos grandes feiticeiros deste instrumento na Europa e tem editado alguns dos seus trabalhos mais empolgantes a partir da exploração das potencialidades oferecidas pela conjugação entre as músicas ocidental e africana. Em Remparts d'Argile, o som poderoso do seu contrabaixo é o guia que orienta os improvisos e as belíssimas melodias executadas por Sébastien Texier no saxofone e nos clarinetes, a que se junta Tony Rabeson, na bateria, dando corpo aos ritmos característicos da música tradicional berbere. Este disco recomenda-se, sem quaisquer reservas, a quem aprecia música pela sua capacidade de derrubar fronteiras e de absorver influências. É um must para quem goste de jazz, de world, de ambas as coisas ou simplesmente de escutar música sublime, independentemente das suas origens. Eu jamais hesitaria em levá-lo comigo para uma ilha deserta.

28 abril 2007

Um quarteto do diabo

Gerry Hemingway é muito mais do que um excelente baterista. Reparte o seu tempo por inúmeros projectos e tem uma importante faceta de compositor que já o levou a receber encomendas para projectos situados fora do jazz, na área música clássica contemporânea. Desde o final dos anos 70 que começou a gravar como líder e a sua produção, de pendor vanguardista, tem mantido uma assinalável regularidade em termos qualitativos. Devils Paradise, de 2003, é, entre as suas edições mais recentes, uma das mais celebradas. Todo o material incluido no disco é da autoria do baterista, embora seis dos oito temas que integram este CD tivessem já sido contemplados em registos anteriores. Aqui, os talentos reunidos de Ray Anderson, no trombone, Ellery Eskelin, no sax, e Mark Dresser, no contrabaixo, fornecem novo fôlego a "velhas" faixas, com improvisos e diálogos entre Anderson (em grande forma) e Eskelin que constituem o prato forte da gravação, sustentados por uma secção rítmica desafiadora e que empurra o trombone e o sax para o confronto. Como o orçamento doméstico tem que ser gerido de forma a chegar para todas as exigências inescapáveis, só agora acrescentei Devils Paradise à colecção. Estou satisfeito.

25 abril 2007

Venham (ainda) mais cinco

Conheço muito boa gente que aprecia a música em função da orientação ideológica em que se pode enquadrar. Se quem compõe ou interpreta pertence a um determinado quadrante político ou se a letra revela identidade com determinada concepção, então é porque se está perante boa música para quem se identifica com a área ideológica em causa, ou má música para quem não se integra nessa tribo. A meu ver, não há melhor forma de as pessoas que assim decidem sobre as suas preferências provarem que aquilo de que gostam verdadeiramente não é música mas, sim, política. Lamento, por elas, o facto de, com esta visão maniqueísta e redutora, se privarem do desfrute de muito boa música por meros motivos ideológicos. Apesar de a propaganda partidária se apropriar frequentemente da música, e de outras artes, com o objectivo de servir os seus interesses específicos, a data de hoje merece ser assinalada com a audição de um disco de José Afonso, simplesmente porque a obra deste autor é incontornável para quem seja, acima de tudo o resto, um melómano. Aqui fica a sugestão de Venham Mais Cinco, cuja faixa que dá título ao disco, com o seu balanço africano, é uma das minhas favoritas entre o repertório do cantautor.

24 abril 2007

A festa de John Butler

Há guitarristas melhores, no sentido de mais bem dotados do ponto de vista técnico, do que John Butler. Mas a sua força está na entusiasmante fusão entre funky, reggae, blues, folk e rock que pratica, juntamente com os dois músicos, Shannon Birchall e Michael Barker, que, no baixo e na bateria, respectivamente, completam o trio que lidera. Butler entrega-se com ânimo às guitarras acústicas e eléctricas, ao banjo e ao cavaquinho, recorrendo frequentemente ao bottleneck para colar as notas em frases que faz soar de forma clara e espontânea. Grand National, recheado de canções enérgicas, que agarram de imediato, tem ainda a vantagem de, em relação a álbuns anteriores do John Butler Trio, acrescentar alguns elementos que assentam que nem uma luva e enriquecem a música da banda. É o caso de uma secção de sopros, em Gov Did Nothin', que dá um animado colorido de jazz clássico à faixa. Por causa deste tema e de outros, é que este disco é uma festa.

23 abril 2007

Neil Young no seu melhor

Uma citação que vem colada no plástico que envolve este disco revela que Neil Young foi aconselhado pelo seu produtor a lançar a gravação ao vivo dos dois concertos realizados no Massey Hall, em 1971, antes de avançar com a edição de Harvest. Na altura, Young não concordou, mas diz que, à distância dos mais de 30 anos que passaram desde a época em que tomou a decisão, compreende melhor os argumentos e até confessa que devia ter seguido a sugestão. A curta citação não inclui a explicação de Neil Young. Mas, ao escutar-se este disco, em que o músico canadiano surge sozinho em palco, alternando entre a guitarra e o piano, percebe-se, pelo menos, que o produtor sabia ter nas mãos um pequeno tesouro. A voz jovem, aguda e fresca de Young, a sua capacidade para, sem outro acompanhamento, absorver a concentração da audiência numa prestação intimista e a interpretação de temas de álbuns anteriores e de canções que figurariam na sua obra maior, Harvest, fazem desta gravação um dos grandes momentos na carreira de um nome incontornável do folk-rock. Finalmente, o comum dos mortais tem acesso a este evento, acrescentado de algumas filmagens inéditas. Valeu a pena a espera.

22 abril 2007

Meios escassos, grande música

Por acaso, na sequência de posts anterior, dedicada a algumas vozes femininas que merecem carinho e dedicação neste blogue, acabei por ir parar a um vozeirão masculino que, nos idos de 70, mas também depois dessa era, fez alguma da música mais fascinante que conheci nos terrenos do rock progressivo. Refiro-me a Peter Hammill, o líder e motor criativo dos Van Der Graaf Generator que, em meados daquela década, gozaram de merecido prestígio entre os grandes nomes desse estilo que foi acusado de quase tudo, incluindo de ter condenado o rock à morte. Aos críticos das bandas "progressivas" há que dizer que os Van Der Graaf Generator não se apresentavam, em palco ou em estúdio, rodeados de toneladas de material. Em Still Life, o disco que justifica este texto, a banda constrói os temas sobre orgão, saxofone, baixo, bateria e nada mais. Isto, juntamente com a voz de Hammill, é suficiente para garantir a intensidade, o romantismo e o lado épico de faixas como Pilgrim, Still Life ou My Room (Waiting For Wonderland). Os meios são escassos mas a música é imensa.

21 abril 2007

Tori Amos e as versões

Não quero abusar da paciência de quem se dá ao trabalho de ler estas linhas e garanto que não faço de propósito, o que até feriria o nome deste blogue. Mas a verdade é que depois de ter aqui escrito sobre o novo álbum de covers de Patti Smith, lembrei-me de uma outra gravação de versões, também por uma intérprete feminina, que acabou por me andar a fazer comichão por detrás da orelha nos últimos dias. O disco em causa é Strange Little Girls, de Tori Amos, uma cantautora com quem tenho uma relação contraditória, passando de fases em que gosto muito para outras em que tenho alguma dificuldade em arranjar paciência para a entoação demasiado sofrida que, aqui e ali, Amos coloca na voz, com um exagero que lhe retira genuinidade. O álbum em causa não é brilhante. Mas tem algumas versões dignas de registo. É o caso do tema dos Stranglers que acaba por inspirar o título do disco ou de Hapiness Is a Warm Gun, dos Beatles, mas, acima de todas as restantes, a interpretação de Rattlesnakes, do primeiro disco de Lloyd Cole & The Commotions.

20 abril 2007

O género e a qualidade

Se este blogue tem leitores fiéis, aspecto que desconheço mas que, a verificar-se, desde já agradeço, já se terão dado conta de que, por aqui, há um fraquinho especial por vozes femininas. Não há qualquer razão especial. Simplesmente tem acontecido, nos últimos tempos, deparar-me com uma cada vez mais vasta escolha de intérpretes especialmente atraentes, em termos estritamente musicais que é o que para aqui interessa. Com a ressalva de que não conheço tudo o que se vai fazendo nos domínios da pop e que há fenómenos no género masculino que, certamente por incapacidade minha me deixam escandalosamente indiferente, como é o caso dos Arcade Fire, muitos dos projectos mais originais que vou descobrindo são protagonizados por mulheres. Um desses casos é Hanne Hukkelberg. Tanto quanto me apercebo, esta norueguesa vai no seu segundo álbum e a produção mantém um nível merecedor dos mais elevados encómios. Tudo começa pelo facto de Hukkelberg ter uma óptima voz. Depois, há o facto de as suas canções fugirem aos padrões banais da pop, mesmo a que é identificada como "alternativa". Por fim, os arranjos, compatibilizando instrumentos acústicos e electrónicos, servidos por uma produção impecável completam um todo quase perfeito. Rykestrasse 68 é o título deste novo álbum de Hanne Hukkelberg. Escutem-no.

19 abril 2007

Eu ontem adormeci assim

Sim, este álbum é o tal que inclui o mega-êxito Gabriel, a canção mais popular dos Lamb. Mas quando o comprei, na rápida audição que fiz não cheguei a prestar muita atenção a esse tema. What Sound é daqueles discos equilibrados em que se torna difícil encontrar a faixa favorita. A eleita vai mudando à medida que se vão conhecendo os cantos à casa. E isto, só por si, funciona como um bom sinal, revelador de uma qualidade geral acima da média. Recordo-me de ter encontrado este CD arrumado entre os discos que levam o rótulo de "electrónica". Se, em parte, é disso que se trata quando se fala da música deste duo, eu acho que What Sound é, acima de tudo, um disco de pop - um óptimo disco de pop, aliás - que, por acaso, se apoia nos instrumentos electrónicos. De certa forma, os Lamb foram uma espécie de Everything But The Girl, um pouco mais rugosos, menos jazzy, mas igualmente emotivos. Ontem, prestaram-me um bom serviço quando chegou a hora de fechar o livro, apagar a luz, ajeitar a almofada e escutar os derradeiros sons de mais um dia na vida.

18 abril 2007

O instante da ruptura

Water Babies foi gravado pelo segundo grande quinteto de Miles Davis em 1967, mas o disco só veria a luz do dia nove anos depois. Apenas conheci esta gravação anos mais tarde. Olhando para trás, não posso deixar de pensar como terá sido curioso ouvir pela primeira vez a música deste disco, numa altura, meados dos anos 70, em que Miles já tinha dado largos passos na fusão, deixando para trás os tempos em que se dedicava a desbravar novas fronteiras mas preservando, ainda, as referências do bebop. Muitos dos músicos que participaram nas sessões que deram origem a Water Babies foram potagonistas, dois anos mais tarde, de Bitches Brew, casos de Wayne Shorter, Chick Corea ou Dave Holland. E, de facto, uma parte da música presente em Water Babies, no tema Two Faced, por exemplo, segue o trilho que iria dar àquele marco histórico da fusão com os seus 18 minutos de improvisação e destaque para o longo solo de piano eléctrico de Corea. A outra parcela de Water Babies está mais recuada, na linha da obra de Davis durante a primeira metade dos anos 60. Este é um dos pontos de interesse do disco: o facto de mostrar duas facetas de Miles Davis e de fixar, para a posteridade, a mais profunda ruptura da sua carreira.

17 abril 2007

Um título bem a propósito

Cá por casa, escasseando o espaço e também, em grande medida, a vontade de dar algum sentido e organização à forma como arrumo os discos, nem sempre consigo encontrar com facilidade aquilo que me apetece escutar. Mas nem tudo é caos. Uma parte do repertório de jazz e de clássica de que sou um feliz proprietário está devidamente ordenada por ordem alfabética e, no local reservado a cada músico e/ou compositor, os discos estão ordenados por ordem cronológica. Este facto deu-me, hoje, algum jeito. Depois de me ter deliciado com o mais recente CD de John Abercrombie, fui atacado de saudades irreprimíveis de ouvir um disco de 1975, em que o guitarrista toca com o teclista Jan Hammer e o baterista Jack DeJonhette. A obra em causa intitula-se, bem a propósito, Timeless, e é um dos grandes discos de Abercrombie e da música de fusão, interpretado por três fantásticos improvisadores. Aliás, se alguém, desconhecedor da discografia de John Abercrombie, me pedisse para escolher um disco introdutório da sua obra, não hesitaria em apontar Timeless, embora sabendo que há, no seu percurso, outros discos mais acessíveis mas, igualmente, menos arrebatadores.

16 abril 2007

Vivaldi, para além de As Quatro Estações

Um problema que perturba uma justa apreciação de Vivaldi é o facto de se tratar do autor de uma das obras mais populares de sempre, As Quatro Estações. Estes concertos para violino já foram adoptados como banda sonora de quase tudo, desde spots publicitários a meio de entretenimento instalado nas centras telefónicas destinado a ajudar a passar o tempo enquanto alguém aguarda que lhe passem uma chamada. De tanto serem exploradas, a propósito de tudo e de nada, As Quatro Estações acabaram por reduzir as possibilidades de Vivaldi ser conhecido por outras razões igualmente importantes, porque a sua música vigorosa, fácil de apreender mas exigente para os executantes, é muito mais do aqueles quatro concertos de que, normalmente, um ouvinte menos atento só conhece algumas passagens. Um dos interesses deste compositor veneziano está no facto de ter criado música para uma enorme diversidade de instrumentos. Incluindo o bandolim que é o objecto central deste disco da orquestra Europa Galante, liderada pelo violinista Fabio Biondi, e que, tal como a obra de Messiaen que referi anteriomente, enfiei no saco das compras depois de ter feito uma primeira abordagem à promoção de obras clássicas que, por estes dias, está em curso na Fnac.

15 abril 2007

A obra e as circunstâncias

Confessava eu, uns posts antes deste, que tenho ligado muito pouco à audição de música clássica quando fui confrontado com uma promoção nas lojas da Fnac dedicada ao repertório em causa. Ora - pensei eu -, aqui está uma oportunidade para, a preços mais ou menos simpáticos, tomar posse de obras incontornáveis e preencher lacunas importantes na minha colecção. De Olivier Messiaen, e de outros, não constava qualquer registo no meu espólio e, assim, tratei de vasculhar o catálogo em busca de alguma sugestão que pudesse suprimir a falha. O Quarteto para o Fim dos Tempos, pelo Ensemble Walter Boeykens, foi uma das obras de que me apoderei de imediato. Não só porque aprecio esta música intrigante, delicada e emotiva, como acho notável que Messiaen tenha conseguido encontrar a inspiração necessária para a compor, em circunstâncias tão difíceis como um campo de concentração, na Silésia, durante a Segunda Guerra Mundial. Sobreviver já era um desafio descomunal, quanto mais compor música excepcional.

13 abril 2007

Paul Simon com novo brilho

Hesitei durante uns tempos sobre se havia de adquirir este CD pela segunda vez na vida. Felizmente, não houve qualquer incêndio cá por casa que me tenha consumido a colecção de discos, como desgraçadamente sucedeu ao musicólogo Rui Vieira Nery a quem o fogo, de acordo com o que li num jornal, destruiu nove mil exemplares de uma assentada, parece que alguns bem raros. Enquanto um desgosto desta envergadura não me bate à porta (cruzes, canhoto!) as minhas decisões em relação à possibilidade de substituir peças da colecção deve-se, essencialmente, ao facto de muitas edições surgirem renovadas, com a qualidade do som substancialmente melhorada. Um dos músicos já contemplados com uma "revisão" da sua discografia é Paul Simon. A primeira versão em CD do seu álbum homónimo, de 1972, não me satisfez. O som é pobre, com um irritante ruído de fundo que neste suporte não se pode admitir. Assim, lá tomei a decisão, há uns dias, de trazer para casa a edição remasterizada. As coisas estão bem melhores e já posso desfrutar em pleno de temas que me dizem muito, como Duncan, Run That Body Down, Peace Like a River ou o solo de violino de Stephane Grappelli em Hobo's Blues. Só lamento ter caido na primeira esparrela.

12 abril 2007

Brasil quase só no nome

Apesar do nome, ninguém entre os quatro elementos dos Brazilian Girls é brasileiro. Esclarecidos eventuais equívocos, para quem nunca tenha escutado nada desta banda pode ficar a saber-se que a sua música absorve influêncas variadas, misturando electrónica, com pop, bossa nova, uma pitada de jazz e pop, tudo conjugado com uma muita energia e uma voz feminina, poliglota, que vai cantando em diferentes idiomas, por vezes na mesma canção. Talk to La Bomb é sua mais recente criação, uma desilusão para quem conheceu o seu disco de estreia, mas uma surpresa agradável para quem ainda só teve oportunidade de contactar com este follow-up, como é o meu caso. Nos últimos dias, tenho-me feito acompanhar deste disco quando me desloco de automóvel e, tirando uma ou outra faixa demasiado impositiva para o gosto de alguém que já deixou a adolescência lá para trás, dou-me por satisfeito. Enfim, apenas com o senão de no carro não dar para dançar que é o que apetece fazer quando se ouvem algumas das faixas deste disco.

11 abril 2007

Uma viagem no tempo

Aqui está mais um disco que de alguma forma compensa a parcela mínima do tempo que tenho dedicado à audição de música erudita (ou clássica, já que aquele qualificativo me soa sempre muito pomposo). Vaghissimo Ritratto é a mais recente obra liderada pelo clarinetista Gianluigi Trovesi e viaja pelos tempos numa ronda de homenagem a grandes nomes da música europeia, desde aqueles que viveram nos primeiros séculos do segundo milénio, como Desprez ou Palestrina, passando por Monteverdi e avançando até ao século XX, em que Jacques Brel é um dos talentos citados. Trovesi dá-se bem com esta diversidade de referências a espalha o timbre simpático e sóbrio do seu instrumento sobre as notas executadas pelo pianista Umberto Petrin e a percussão de Fulvio Maras, quer nos temas alheios, como nas faixas da autoria dos elementos do próprio trio. No balanço final, sobra um disco reflexivo, melodioso e cativante, capaz de evidenciar que o tempo jamais matará a boa música, não importa quantos séculos já tenham passado desde a sua composição.

10 abril 2007

Parece que a vida é bela

De vez em quando, sobretudo se o tempo aquece e se dão aqueles fenómenos químicos no interior do cérebro que nos fazem ficar descontraídos e bem com a vida, dá vontade de escutar um daqueles discos de pop, simplesmente pop, que exigem pouco e dão muito em troca. Hoje, achei-me num desses dias e decidi procurar alguma coisa para escutar que se enquadrasse no meu ambiente interior. Lembrei-me de Say I Am You, da autoria dos The Weepies. O que tem este disco de especial? Quase nada. Canções simples, quase banais, tocadas nas guitarras eléctricas e acústicas, cantadas por boas vozes femininas e masculinas, com harmonias vocais melodiosas nos refrões. É apenas isto mas é o suficiente para prolongar a boa disposição. Parece que a vida é bela, de um azul profundo, like a Painting by Chagall.

09 abril 2007

Era uma vez na América

Bom, já que estou numa onda de rock e blues, sucistada por uma surtida nostálgica a Rory Gallagher, aqui vai outro álbum que não dispenso quando me dá para cair para estes lados. Trata-se de Tejas, dos ZZ Top, disco lançado em 1976, muito subavaliado por dezenas de apreciadores da banda mas que, para mim, contém algumas das melhores faixas que alguma vez estes três cowboys texanos produziram. Não concebo que alguém consiga mostrar-se indiferente ao swing de Arrested for Driving While Blind, à frase bluesy de El Diablo que se mete pelos ouvidos dentro sem pedir licença ou aos potentes riffs e subtis solos de guitarra que enxameiam todo o disco. Até a faixa instrumental que encerra Tejas, Asleep in the Desert, é passível de nos transportar para os imensos espaços do continente americano, sonhando com canções em redor de uma fogueira. Grande, grande álbum. Até a capa é boa.

08 abril 2007

Rock, blues e muita cerveja

Rory Gallagher merecia ser recordado com mais frequência, mas a sua intensa dedicação ao rock e aos blues é, actualmente, uma questão reservada a fãs saudosos das suas actuações incendiárias. Como a que o guitarrista irlandês protagonizou algures pelos finais dos anos 70 em Cascais, acompanhado em palco apenas por um baterista e um baixista que se limitavam a construir a base rítmica sobre a qual Gallagher fazia explodir os seus riffs e solos. A intensidade da sua música ajustava-se na perfeição às prestações ao vivo. Em estúdio, a vivacidade e a urgência com que tocava perdiam uma boa parte da alma. Faltava-lhe o fumo e a cerveja, fazendo desconfiar que, se fosse forçado a actuar numa sala como as que nos dias que correm não admitem esse género de transgressões, Rory Gallagher jamais teria deixado para a posteridade álbuns como Irish Tour, um duplo registado ao vivo que muito candidato a guitarrista adoptou como uma espécie de manual de aprendizagem. Não é obra que se aconselhe a escutar todos os dias. Não dá descanso e exige disponibilidade para tanta energia. Mas deve ser objecto de revisita periódica, como homenagem a um guitarrista que desapareceu demasiado cedo.

07 abril 2007

A fatia esquecida do bolo

Recordo-me bem deste álbum. Com uma qualidade de som ainda algo tosca para servir plenamente toda a sonoridade dos Genesis, tinha - e ainda tem - toda a magia do universo fantástico criado pela banda. Apenas me tornei proprietário de um exemplar já na era do CD. Por altura da sua edição, limitava-me a escutá-lo em cassete, com um irritante ruído de fundo que hoje em dia me desconcentraria mas que, na altura, não me impedia de estar atento a todos os detalhes. Nursery Crime inclui clássicos dos Genesis com Peter Gabriel como Musical Box, o encore do segundo concerto na sua lendária vinda a Portugal em 1975, ou The Return of the Giant Hogweed. Mas, uma vez mais, é também nos pequenos detahes que este disco revela todo o seu esplendor. Muito provavelmente, temas como For Absent Friends, Harlequin, Seven Stones ou Harold The Barrel jamais figurarão em qualquer colectânia ou lista que pretenda reunir o melhor que alguma vez a banda de Gabriel ofereceu para a história do rock. E, no entanto, tal como sucede com outras faixas menos celebradas de álbuns como Foxtrot, reside neles uma das melhores fatias do suculento bolo de que a banda tinha a receita exclusiva.

06 abril 2007

Quase sempre em festa

O título deste álbum de Peter Martin, o seu primeiro como líder, poderia aplicar-se como uma luva ao seu percurso musical. Martin aprendeu a tocar piano a partir dos três anos de idade e dois anos depois já conseguia ler e escrever música, conforme reza a sua biografia. Com dotes desta envergadura, não admira que, ainda na adolescência, Wynton Marsalis o tenha escutado a tocar, decidindo, de imediato, acolhê-lo como discípulo. Peter Martin já actuou com muitos nomes grandes do jazz, numa lista que inclui gente como Joshua Redman, Christian McBride ou Terence Blanchard. Em Something Unexpected, gravado ao vivo em St Louis, onde cresceu, Peter Martin apresenta-se com uma banda homogénea, competente nas deambulações entre o bop e o post-bop, temperado com ingredientes clássicos. Um dos atractivos da gravação está no fulgor com que o trompetista Nicholas Payton ataca as suas intervenções. Attestation e La Pregunta são duas das faixas que melhor exemplificam o que foi dito. O remate, com I Wish, de Stevie Wonder, é que merecia um pouco mais de empenhamento porque soa frouxo e agarrado à pauta. É um momento menos feliz num álbum que garante mais de uma hora quase sempre em festa.

05 abril 2007

Van Morrison, unplugged

Há músicos que não podem estar muito tempo ausentes da minha playlist pessoal. Entre estes, conta-se Van Morrison, um grande inventor de canções e obreiro de uma fusão entre country, folk irlandês, rock e blues que não tem paralelo na história da música popular. Um dos seus grandes discos foi gravado em parceria com The Chieftains, veteranos das tradições irlandesas. Irish Heartbeat pode não agradar a todos os apreciadores de Van Morrison, mas tratou-se de um saudável regresso às raízes numa altura do seu percurso, na segunda metade dos anos 80, em que se mostrou particularmente inspirado, produzindo alguns dos seus melhores álbuns de sempre, como Poetic Champions Compose ou Enlightenment. Apoiado em temas tradicionais da Irlanda, este disco testemunha a faceta unplugged de Van Morrison.

04 abril 2007

Abercrombie, guitarra e violino

John Abercrombie é um daqueles guitarristas que eu costumava incluir no grupo dos meus preferidos, onde figuram outros nomes como Pat Metheny, John Scofield, Bill Frisell ou Ralph Towner. Mas muita da sua produção ao longo dos cerca de 30 anos de carreira que já contabiliza revelou-se menos interessante, num percuso irregular e por vezes a cair na tentação da banalização. Deixei de acompanhar a sua discografia há alguns anos e apenas regressei agora ao contacto, puxado pela curiosidade de, através de The Third Quartet, a sua mais recente edição, conhecer o que anda Abercrombie a fazer por estes dias. Foi uma decisão sensata. Neste novo disco, John Abercrombie e o violinista Mark Feldman fazem uma excelente dupla, dominando os temas com os seus solos e diálogos. Estão acompanhados de Marc Johnson, no contrabaixo, e Joey Baron, na bateria, músicos experientes que completam um quarteto sólido e empolgante.

03 abril 2007

A ousadia de Patti Smith

De um álbum de versões eu espero, sobretudo, que mostre capacidade, por parte de quem se aventura na empreitada, de pegar em temas alheios e conseguir dar-lhes a volta, mostrando algo de novo a partir de material já conhecido e muito escutado. Respeitar rigorosamente os arranjos originais pode ter graça, mas o verdadeiro desafio está na revelação de novas facetas das canções objecto de "reinvenção". Em Twelve, Patti Smith nem sempre se sai bem da tarefa. E quando isso sucede é porque se deixou amarrar demasiado às soluções dos originais, como sucede, por exemplo, em Everybody Wants to Rule The World, dos Tears for Fears. De cada vez que se afasta e descobre uma nova forma de interpretar um tema, os resultados são muito mais estimulantes. É o que acontece com Within You Without You, composição de George Harrison do histórico Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de longe o momento mais feliz deste novo disco de uma das grandes referências do punk e do rock. Twelve não é um mau disco, mas é uma obra irregular. Deixa a sensação de que Patti Smith podia ter sido mais ousada e que uma atitude menos conservadora no tratamento do material do álbum poderia ter dado frutos mais interessantes.

02 abril 2007

O feitiço de Yusef Lateef

Os sons orientais têm servido de inspiração a dezenas de músicos do Ocidente e Yusef Lateef distingue-se por se ter interessado em incorporá-los na sua música muitas antes de outros nomes, como John Coltrane, o terem feito. Eastern Sounds, de 1961, não esconde, logo no título, o género de fusão que se vai encontrar. O hard-bop é aqui objecto de integração com as tradições do Oriente e resulta num dos álbuns mais felizes de sempre da longa carreira de Yusef Lateef, que leva já uns respeitáveis 50 anos de longevidade. De alguma forma, o trabalho deste saxofonista e flautista antecipou o género de encontros musicais que, mais recentemente, acabaram por ser catalogados sob a designação de world music. O álbum é acessível e talvez muita gente que o escute pela primeira vez identifique o belíssimo tema do filme Spartacus como primeiro passo para se render ao irresistível feitiço de tudo o resto.

01 abril 2007

Surf, moda e música

Jim White foi surfista e modelo antes de se dedicar a uma carreira musical. Um amigo escutou uma série de canções cantadas e tocadas por White na guitarra, incentivou-o a mostrá-las a uma editora e ele assim fez. Dirigiu-se à Luaka Bop, a etiqueta de David Byrne, e foi presenteado com a oportunidade de regravar os temas que passaram a figurar no seu disco de estreia, Wrong-Eyed Jesus. Já vai no seu terceiro álbum de originais e, por estas bandas, é tido como um valor seguríssimo quando chega a hora de entreter o sentido auditivo com canções que habitualmente surgem classificadas entre a country alternativa e a folk. Drill a Hole in That Substrate and Tell Me What You See é a sua mais recente edição, data de 2004, e desfruta de convidados tão ilustres quanto Aimee Man ou Bill Frisell. A música de Jim White nem precisaria de chamarizes tão fortes mas a voz de Man e a guitarra de Frisell parecem ter sido talhadas para, um dia, fazerem companhia às baladas e lamentos de White. Há material de elevada qualidade para escutar neste álbum e tenho alguma relutância em destacar este ou aquele tema porque gosto de todos. Mas, vá lá, If Jesus Drove a Motor Home é especial. O solo de trompete é a cereja no topo do bolo.