25 outubro 2007

Viagem ao deserto

Há uns dias, correspondendo ao desafio de um amigo que me propôs trocar a hipótese de presenciar o concerto do pianista Chick Corea por uma incursão nos sons do deserto do Saara, rumei ao grande auditório do Centro Cutural de Belém. Em causa estava a possibilidade de assistir a uma dupla prestação. A uma primeira parte da responsabilidade do guitarrista Vieux Farka Toure, filho de um grande nome dos blues do Mali, Ali Farka Toure, seguir-se-ia o prato principal, os Tinariwen, já catalogados como os Rolling Stones do deserto. Não sei se fiquei a perder com a troca, embore confesse que Corea não é daqueles pianistas que me faça tremer de entusiasmo. Apenas posso testemunhar que assisti a um grandíssimo concerto, com a sala felizmente bem composta e a terminar o serão de pé e a dançar, acolhendo o apelo irresistível e hipnotizador da banda tuaregue que, de guitarras em punho, despejou carradas de boa música sobre a audiência. É possível que, escutados ao ar livre, no ambiente em que se inspiram, os temas dos Tinariwen ganhem uma magia acrescida. No CCB, a experiência já foi soberba. E tenho-a prolongado através da audição do mais recente álbum da banda, Aman Iman: Water is Life.

20 outubro 2007

Regresso ao passado

Mais de um quarto de século depois do fim, o grupo britânico Led Zeppelin prepara-se para a ressurreição. Desconfio sempre destas recuperações de tempos e de modos. Mesmo quando aquilo que move respeitáveis anciãos da cena musical é puro e desinteressado, estes regressos são muitas vezes deprimentes. Seja qual for o resultado deste mergulho no passado, aproveito para recomendar a audição de um álbum que me marcou profundamente: Led Zeppelin III. Um dos trabalhos mais equilibrados do grupo de Jimmy Page e Robert Plant, com um lote de canções inesquecíveis. Não resisto a destacar Since I’ve Been Loving You, um exemplo de gestão perfeita de tensões crescentes que culmina num êxtase explosivo sublinhado pelo grito belíssimo de Robert Plant.

19 outubro 2007

Mais pop dos balcãs

O primeiro disco dos Beirut, banda que é pouco mais do que o nome artístico de Zach Condon, foi devidamente assinalado neste blogue como uma das grandes surpresas do ano passado. Aconselhei o álbum Gulag Orkestar pela qualidade das canções e pelo facto de se inspirar no folk balcânico, propondo uma viagem a sonoridades pouco vulgares no trabalho de um músico chegado do outro lado do Atlântico. O segundo disco já anda por aí, reforçando a minha convicção que, dentro daquilo a que já se convencionou chamar "pop alternativa", Condon é um nome talhado para rasgar fronteiras e chamar à primeira linha sons a que apenas eventuais apreciadores da música que ocupa as prateleiras da world dariam atenção, até agora. O novo álbum prossegue a exploração do potencial das tradições dos balcãs e surge enriquecido com orquestrações de metais que estão mais presentes, deixando uma das marcas fortes no trabalho. O título do disco é The Flying Club Cup e, para além do que oferece a escutar, tem uma capa notável.

15 outubro 2007

O poder das guitarras

Prosseguindo na onda dos blues, o destaque vai hoje para uma representante da minoria feminina em matéria de guitarra, mas que assina um disco poderoso. O adjectivo justifica-se, em primeiro lugar, pela grande quantidade de solos contagiantes que se podem encontrar em Blues Blast, a obra mais recente liderada por Debbie Davies. Os créditos devem ser atribuidos não apenas a Davies, mas também a duas outras participações que ajudam a enriquecer a música bem balançeada que se escuta neste disco: Tab Benoit e Coco Montoya. A isto terá de acrescentar-se o contributo de Charlie Musselwhite e a sua mestria quando se trata de arrancar notas da harmónica, o que constitui um argumento adicional para aderir a Blues Blast. E assim se explica como este álbum ajuda a convencer-nos que, tal como os diamantes, também os blues são eternos.

13 outubro 2007

Harmónica mágica

Vamos até ao Texas, beber umas cervejas e passar um serão a escutar blues rasgados e bem humorados? 'Bora! É mais ou menos este o sentimento quando se pega em Grease, Grit, Dirt and Spit, de Randy McAllister. Como o próprio confessa, a música que faz não é mais do que pegar nos velhos truques e voltar a arrumá-los, sem a pretensão de criar algo de novo, mas apenas a de renovar a energia primordial que continua a brotar das raízes. O que resulta é puro divertimento, muito à custa de uma banda em que os soberbos solos de harmónica de McAllister tomam a liderança para imenso prazer de quem os escuta. Não há artifícios, nem pirotecnias, apenas entretenimento despejado com empenho sobre os nossos ouvidos.

08 outubro 2007

Do outro mundo

Em cada novo álbum deste trio, raramente as expectativas saem defraudadas. Três músicos experientes, sólidos, emotivos, que se conhecem e tocam juntos há mais de duas décadas têm a obrigação de produzir música sublime e o único detalhe que, edição após edição, vai surpreendendo, é que se desembrulham dos seus deveres com a nota máxima e ainda são capazes de o fazer com uma evidente frescura. A nova gravação de Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack DeJohnette foi registada ao vivo, no Festival de Montreux, em 2001. Traz mais uma mão cheia de "standards", incuindo incursões no jazz mais clássico e saborosíssimas homenagens ao ragtime. Jarrett solta-se, inspirado, sobre as telclas, Peacock atingiu um pico na profundidade com que tira as notas do seu contrabaixo e DeJonhette está mais criativo na bateria do que nunca. O disco vê a luz do dia seis anos depois de a música que o integra ter sido interpretada, tendo envelhecido como um vinho de alta qualidade. O trio é uma lenda viva e My Foolish Heart entra directamente para a galeria dos seus álbuns incontornáveis. Dos discos do outro mundo.

01 outubro 2007

A alma de JJ Cale

Antes de ver este documentário sobre a digressão de JJ Cale que promoveu o álbum To Tulsa And Back, estava convencido, como milhares de outros apreciadores, que o músico era uma pessoa calma e descontraída, dois traços que caracterizam as suas canções. Mas o próprio Cale trata, ou pelo menos tenta, desfazer a ideia. Com alguma ironia afirma que, pelo contrário, é uma pessoa nervosa. Se assim não fosse, como poderia meter-se na aventura de andar pela estrada, numa ampla camioneta, percorrendo os Estados Unidos com o objectivo de cumprir uma exigente agenda de concertos? Pode ser que Cale esteja a falar a pura verdade, mas o que se conclui a partir das imagens e dos depoimentos incluidos no DVD tem sobretudo a ver com a percepção mais comum de um guitarrista sem pressas e absolutamente fiel às suas raízes bem assentes no rock and roll, blues, jazz e country. JJ Cale não é apenas um grande compositor de canções simples, mas um óptimo guitarrista cujo estilo influenciou nomes como Eric Clapton, um dos colegas de ofício que surge neste documentário, ou Mark Knopfler e os Dire Straits. Cale gosta dos ambientes intimistas das pequenas salas, mais adequadas aos sons suaves da sua guitarra e da banda integrada por velhos amigos que o acompanham desde os primórdios da sua carreira. É um purista, muito dedicado à sua música mas escassamente preocupado com o marketing e que, por isso, recusa fazer actuações promocionais em playback porque, explica, é um músico e não um actor. To Tulsa And Back - On Tour With JJ Cale é um documentário de visionamento fortemente aconselhado a quem não dispense a música de Cale e queira conhecer melhor o percurso, o humor e os motivos por que uma personagem tão discreta é um dos mais influentes músicos das últimas décadas.