27 fevereiro 2011

Doce, quanto baste

"Eu gosto muito de boas canções e, ao contrário do que algum pseudo-intelectualismo possa pensar, é muito difícil escrever boas canções. Fazer qualquer coisa simples, curta e de grande força não é fácil". A citação pertence a Júlio Resende e integra uma entrevista que foi publicada numa das mais recentes edições da revista "Time Out Lisboa". Por mim, estou plenamente de acordo com a opinião do pianista que acaba de lançar o seu terceiro disco, You Taste Like a Song. Pelas obras anteriores de Júlio Resende, já tinha dado para desconfiar que este pianista, felizmente, é daqueles que não têm ideias pré-concebidas. De Aimee Mann aos Pink Floyd, Resende procura boa matéria-prima para reinventar, sem querer saber de rótulos ou de complexos intelectuais, e se tiver que ir aos terrenos da pop e do rock para encontrar aquilo que busca, não hesita. Em You Taste Like a Song, é a vez de os Radiohead e John Mayer terem versões de temas seus interpretados pelo trio de Júlio Resende que, além do líder da gravação, inclui Joel Silva, na bateria, e Ole Morten Vagan, no contrabaixo. É um disco "doce", como diz o próprio Júlio Resende na mesma entrevista, mas não "demasiado doce", como sucede com muito do jazz mais disseminado nos dias de hoje, muitas vezes vítima de excesso de produção e de formalismo que lhe retira força e autenticidade. Não é o caso desta gravação, que confirma Resende como um dos grandes pianistas nacionais do momento. E a concorrência é bem forte.

Para escutar Shine On You Crazy Diamond, clicar aqui.

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26 fevereiro 2011

Action piano man

"Em dias como o de hoje, em que sinto uma profunda melancolia, chego a pensar no que seria se me faltasse a única coisa que pode restar a um melómano. O que seria se tudo falhasse, incluindo o sentido da audição? Que estímulo sobraria para continuar? É isso. Hoje sinto como se a única coisa no mundo que me pode consolar é a música. Por uma razão em especial e por nenhuma em particular". Agarrei num disco de Orrin Evans e escutei-o do início ao fim. O escolhido foi o mais recente do pianista, Faith in Action, e o momento sublime que desfrutei com esta audição foi a penúltima faixa deste disco, Love Remains. Evans, um apelido de óptimas tradições quando o tema é o trio de piano, move-se nas fronteiras do jazz mainstream mas sabe quando largar a pauta e subvertê-la. O produto resultante é música vigorosa, impulsiva e tocante.

Para escutar Love Remains, clicar aqui.

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Um disco com direito à tecla de repetição

Passei a ser fã de PJ Harvey apenas a partir de Stories From the City, Stories From the Sea. Sei que isto não abona a meu favor perante os aderentes da primeira hora. Mas aquele foi o primeiro álbum da sua discografia que escutei com atenção. Desde aí, comecei a acompanhar a carreira de PJ Harvey com mais cuidado e, também, com a satisfação de se tratar de alguém capaz de escrever boas canções e também de as arranjar e interpretar com criatividade e evitando as soluções rotineiras. Hoje, chegou a vez de ser apresentado a Let England Shake, o novo disco, que traz uma dúzia de novos temas que falam de Inglaterra. O som é low-fi, por vezes parece que estamos a escutar uma gravação feita por uma banda de estreantes nos anos 60, a instrumentação é minimalista e o álbum agarra desde a primeira canção, precisamente aquela que dá o título à obra. É um CD que merece ser colocado a tocar com a tecla de repetição accionada.

Para escutar Let England Shake, clicar aqui.

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01 novembro 2010

Um disco poderoso

Costumo receber com desconfiança as notícias sobre um disco gravado por um músico de rock ou pop acompanhado por uma orquestra. Faz-me lembrar algumas experiências falhadas, embora pretenciosas, quando entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 algumas bandas de rock e pop tentaram conquistar "respeitabilidade". Não podiam esperar pelo teste do tempo. Queriam ganhar, de imediato, o direito a serem reconhecidos nos meios "eruditos" e, para isso, não chegava o seu talento naquilo em que eram bons. Era preciso colocar umas dezenas de violinos e violoncelos a interpretar as suas canções ou as suas tentativas de criarem peças sinfónicas. Quando soube que Peter Gabriel tinha decidido lançar um álbum de versões apenas acompanhado de uma orquestra fiquei apreensivo apesar de ser um admirador de longa data do antigo líder dos Genesis. Às primeiras audições de Scratch My Back não fiquei deslumbrado. Mas, agora, dou-me por convencido e até acho que é um dos grandes discos de sempre de Gabriel. Os arranjos são irrepreensíveis, poderosos, e Peter Gabriel não se limita a seguir os originais. Reinventa as canções, descobre-lhes novos ângulos, como quem lê um livro pela segunda vez e vislumbra aspectos que tinham passado despercebidos e os decide partilhar. Pode constatar-se isto em The Boy In The Bubble, Mirrorball, Listening Wind ou My Body Is A Cage, de gente tão diferente como Paul Simon, Elbow, Talking Heads ou Arcade Fire. E a boa nova é que ainda há mais do que estes nomes para desfrutar. Em Scratch My Back, Peter Gabriel não faz um disco de versões. Pega em 12 temas e oferece-nos a sua leitura, fortemente personalizada. É um disco a não dispensar. Não provoca comichão nas costas mas faz arrepios na espinha.

Para escutar My Body Is a Cage, clicar aqui.

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29 outubro 2010

"Exile On Main Street" depois do duche

Namorei este duplo-vinil durante muito tempo antes de o conseguir comprar. Lembro-me de o ir escutar a uma loja de discos, entretanto desaparecida, numa esquina da Avenida de Roma, em Lisboa. Eram os meados dos anos 70 e Portugal estava endividado mas as famílias ainda não viviam a crédito. Comprar discos, só com capitais próprios e estes levavam tempo a amealhar. As repetidas audições de Exile On Main Street foram servindo para formar uma opinião consistente antes de tomar a decisão. Primeira impressão: havia uma produção mais descuidada em relação ao antecessor, Sticky Fingers, fruto muito provável de os temas terem sido gravados numa mansão no Sul de França, com o que isso implica de descontracção e desconcentração numa banda que estava mergulhada no seu "fim-de-semana perdido" de sexo, drogas, alcool e rock and roll. Segunda impressão: havia um primitivismo nas canções que funcionava como um isco que, audição após audição, se ia insinuando e conquistando terreno. Mais de três décadas depois, este álbum mantém os mesmos defeitos mas alguns foram corrigidos com a nova remasterização. A voz de Mick Jagger e os instrumentos surgem mais claros e menos compactados num muro de som cansativo, o que permite desfrutar em melhores condições dos detalhes dos arranjos. Tumbling Dice é um exemplo, mas não o único. O "riff" inicial está mais hipnotizante do que nunca e a mesma clareza pode ser apreciada em All Down The Line ou nos temas baseados em instrumentos acústicos, como sucede na sequência que se inicia com Sweet Virginia e que preenchia o lado 2 do primeiro disco na edição original. Assim, dá mais gosto apreciar um dos melhores álbuns da melhor fase dos Rolling Stones, que muito deve ao guitarrista Mick Taylor. Os temas extra merecem ser ouvidos. Mas a voz de Mick Jagger deve ter sido gravada muito depois das sessões. Não soa como no resto de Exile mas mais parecida com o Jagger de tempos mais recentes. Tenho a impressão de que, aqui, houve batota. Quanto ao resto, ou seja, ao Exile On Main Street tal como sempre o conhecemos, ganha vida nova depois de ter tomado um duche.

Para escutar Tumbling Dice, clicar aqui.

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21 novembro 2009

Nos arquivos de Paddy McAloon

Nos arquivos de Paddy McAloon estão centenas de canções que, provavelmente, jamais verão a luz do dia, pelo menos interpretadas pelo seu autor. O líder dos Prefab Sprout tem enfrentado problemas de saúde ao longo da corrente década, que lhe afectaram a visão, a audição e, compreensivelmente, o ânimo. Daí que qualificar Let's Change The World With Music como o "novo" disco dos Prefab Sprout seja pouco rigoroso. É uma novidade na discografia da banda mas trata-se de uma demo inteiramente gravada por McAloon. Daqui resulta que podemos escutar o disco e imaginar como soaria se fosse executado com instrumentos reais em vez de se basear em sucedâneos vindos do mundo da electrónica. É um exercício possível. Outro, é o de apreciar as canções de Paddy McAloon que deveriam ter sido sucessoras de Jordan: The Comeback, um dos grandes álbuns dos Prefab Sprout. McAloon é um compositor pop de primeira linha, um mestre da melodia, o melhor intérprete das suas canções e Let's Change The World With Music, que celebra a magia e o poder da música, é mais um testemunho de todos esses talentos. Resta esperar que o músico tenha a energia suficiente para voltar a abrir as portas dos seus arquivos e colocar cá fora as pérolas que por lá estarão guardadas.

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19 novembro 2009

Uma história bem contada

A Tale to Tell é, no mínimo, uma história bem contada. E desfia-se em poucas palavras. Tem excelentes canções, da pop mais pura e sedutora, muitíssimo bem interpretadas, com uma voz feminina irresistível e orquestrações de veludo, cheias de fantasia. A banda que é responsável por este belíssimo álbum dá pelo nome de The Mummers.

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17 novembro 2009

Uma caixa (felizmente) sem surpresas

Sem o justificado alarido que rodeou o lançamento das duas caixas com a discografia dos Beatles, nas misturas em mono e estéreo, acaba de surgir mais uma edição dos sete álbuns de originais dos Creedence Clearwater Revival. Foram uma das bandas que escutei com muita dedicação há longos anos, quando estavam no auge, e ainda conservo muitos dos singles que, na época, entre o final dos anos 60 e o arranque dos anos 70, mantiveram John Fogerty e os seus três companheiros de aventura nos tops. Os discos vêm numa caixa despretensiosa, sem luxos, respeitando as capas originais, tudo acompanhado de um pequeno livro com textos sobre cada um dos discos, excepto o derradeiro, Mardi Gras, que é uma obra menor na obra dos Creedence, gravada em trio depois do abandono de Tom Fogerty. Toda a energia e talento da banda para misturar tradições da música popular norte-americana estão nesta caixa e com um som bastante melhorado em relação às primeiras versões em CD, o que é bem notório em discos como Willy And The Poor Boys, Cosmo's Factory e Pendulum.

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