30 novembro 2007

Descoberta de um "clássico"

Nos meus anos de descoberta inicial do jazz, Julian "Cannonball" Adderley ocupou um lugar especial nas minhas preferências. A forma poderosa como atacava o seu saxofone alto, o facto de ter ombreado com o mago John Coltrane na formação que gravou obras-primas como Kind of Blue, e o facto de surgir na liderança de um dos discos mais memoráveis dessa época dourada do jazz que mediou entre os anos 50 e 60, Somethin' Else, eram alguns dos tópicos que justificavam aquela atenção especial. Continuo a gostar muito deste músico. Ainda assim, nunca tinha colocado as mãos em cima deste disco de 1959, The Cannonball Adderley Quintet - Live in San Francisco, uma das grandes gravações de Adderley, aqui acompanhado por Nat Adderley, no trompete, Bobby Timmons, no piano, Sam Jones, no contrabaixo, e Louis Hayes, na bateria. Um naipe de grande gabarito, portanto. O disco merece o estatuto que lhe é actualmente concedido, sendo presença regular entre as grandes obras de jazz de sempre. Música acessível, vagueando os terrenos do bop e dos blues, mas de espírito aberto a outras referências, como fica notório em This Here, tema composto por Timmons evocando o universo de Hancock e prenunciando a adesão de Cannonball ao funky. É um grande álbum e dou-me por feliz pelo facto de ter acabado de preencher uma grave lacuna na minha cultura "jazzística".

27 novembro 2007

O diamante de Bunyan

Personagem invulgar, introspectiva. Perante a possibilidade de uma carreira capaz de expor e partilhar o seu talento como compositora e intérprete, Vashti Bunyan assumiu outras opções. Escolheu o recolhimento no mundo rural britânico depois de fazer algumas gravações e de ter editado alguns singles em meados dos anos 60. E voltou a desaparecer de cena após a gravação e o lançamento do seu primeiro álbum, em 1970. Just Another Diamond Day é uma colecção preciosa de temas intimistas, carregados de emoção, cantados por uma voz imaculada e serena, que não deixam indiferente quem se dedique a escutá-los com a atenção que merecem. Quando da sua edição, o disco recebeu escasso acolhimento. E as master tapes acabaram por ficar esquecidas num armazém londrino, durante 30 anos, até serem recuperadas depois de terem resistido a uma viagem de metropolitano e a uma carga de chuva durante uma operação de transporte. Bunyan, que entretanto lançou, apenas há dois anos, um segundo álbum, é agora objecto de culto. É uma justa credora deste facto, pela originalidade da sua música e pela irredutibilidade em relação à pureza da sua arte.

22 novembro 2007

Chris Potter, plugged

Há alguns outros saxofonistas que o merecem, mas se tivesse que citar aqueles que, entre os contemporâneos, mais me fazem exultar com a sua música, teria que optar por Branford Marsalis e Chris Potter. A sua produção nos últimos anos revela uma elevada maturidade, consistência e regularidade qualitativa. Em relação a Potter, não só se transformou numa peça essencial para o sólido trabalho desenvolvido pelo Dave Holland Quintet, como tem assinado, a solo, páginas brilhantes no cenário do jazz actual. O registo que serve de pretexto a este post, foi efecuado ao vivo, em Nova Iorque, no lendário Village Vanguard. Para além do saxofonista, a banda integra Adam Rogers, na guitarra, Craig Taborn, no Fender Rhodes, e Nate Smith, na bateria. Follow The Red Line apenas tem seis temas, mas neste repertório concentra-se uma elevada descarga de energia, em que Potter e Rogers arrebanham o essencial no que toca ao débito de solos electrizantes, apoiados por uma secção rítmica cheia de dinamismo. Este disco é um intenso sopro de vida.

18 novembro 2007

Imortalidade assegurada

Há anos que andava atrás deste disco. Não é fácil encontrá-lo nas lojas portuguesas e nem sempre está disponível para entrega imediata em sites de comércio electrónico. Cheguei a encomendá-lo na loja Trem Azul, em Lisboa. Mas os meses passaram e nunca recebi notícias. Na visita que lá fiz há uns dias, estava eu tranquilamente a passar a vista pela letra "h" quando dei de caras com uma capa que já me era familiar. Foi um momento de alegria. Saquei o exemplar, julgo que único, e tratei de formalizar, rapidamente, a transferência da propriedade para a minha esfera jurídica. Porquê tanta ansiedade? Porque este é um dos grande álbuns de trio de piano que alguma fez me foram dados escutar. A sessão é liderada pelo veterano contrabaixista Charlie Haden, complementada por outro grande vulto do jazz na bateria, Paul Motion. E para que tudo se conjugue na perfeição, é a Geri Allen que compete assegurar tudo o que diz respeito às intervenções do piano. Etudes inclui nove temas de música inspirada e motivadora, em que apenas duas faixas não são da autoria dos elementos deste trio. Foi um dos grandes discos de jazz dos anos 80 e continua a ser um grande disco. Acho que merece ter a imortalidade assegurada.

13 novembro 2007

Tesourinho anti-depressivo

Nem sempre encontro o tempo e a disposição. Mas, de vez em quando, gosto de passar a pente fino - ou, pelo menos, de tentar fazê-lo - as prateleiras das lojas em busca de velhas preciosidades dos anos 60 e 70. A motivação é evidente: encontrar versões em CD de álbuns ou singles que, à época, tiveram lugar na minha colecção ou que, pelo menos, teria gostado de ter por perto. Na transição entre aquelas décadas, a fusão de jazz e rock foi uma das novidades que mobilizou atenções. De repente, as bandas cresceram, adicionando uma secção de metais, e descolaram dos limites da pop para voos mais ambiciosos. É nesta onda que se inscrevem nomes como os Chicago e os Blood, Sweat and Tears. Mas, também, uma outra referência menos conhecida, mas que teve notórios méritos, incluindo o de poder constar entre o restrito número de bandas que actuaram em Portugal na altura. Refiro-me aos If, de quem encontrei muito inesperadamente na loja Trem Azul, em Lisboa, um exemplar do seu terceiro álbum, em versão remasterizada e enriquecido com dois apetitosos temas extra. Inclui Far Beyond e Forgoten Roads, lados A e B de um single que escutei em numerosas ocasiões, e temas mais elaborados, em que alguns dos bons instrumentistas que davam vida aos If aproveitavam para, na guitarra ou no saxofone, darem largas à sua criatividade. Este, está no papo. Para grande alegria minha.

07 novembro 2007

Facto relevante

Led Zeppelin III, um dos álbuns lendários da banda de Jimmy Page e Robert Plant, foi aqui recordado há uns dias, pelo Ipsilon. O post em causa provocou uma onda de choque com várias consequências. Em primeiro lugar, incentivou-me a ir ao baú recuperar outros velhos discos dos Zeppelin, que escutei com grande prazer. Mais tarde, voltarei a este tema. Em segundo lugar, espicaçou-me a curiosidade em relação à muito celebrada edição de Raising Sand, disco assinado por um dueto integrado por Alison Krauss e pelo vocalista dos autores de clássicos como Black Dog e Stairway to Heaven. Tenho sempre algum receio de ser confrontado com uma amarga desilusão quando me aventuro na escuta de álbuns recentes, mas obra de velhas glórias. Neste caso, há lugar para estupefacção, mas de sinal positivo. Raising Sand é um óptimo disco e uma das razões está no facto de as vozes de Krauss e Plant fazerem um notável casamento. As composições andam pelo cruzamento entre blues, folk e country, com uma produção que, no geral, lhes fornece um toque "low-fi" que só fica bem. Aqui está um dos factos relevantes do ano.

01 novembro 2007

Eu ontem adormeci assim

Para um músico sueco, o nome não cai como uma luva. Mas o pormenor pouco importa quando está em causa José González. Trata-se de uma vedeta na sua terra natal e por boas razões. Escreve canções no trilho de grandes figuras como Nick Drake ou Elliott Smith, suaves e melancólicas, e interpreta-as recorrendo à sua voz serena e às notas que vai arrancando, com elegância, da sua guitarra acústica. O pretexto para este post é a edição do seu segundo álbum, In Our Nature, que me deliciei a escutar ontem a horas de recolhimento e sossego, período do dia em que bardos como José González asseguram uma banda sonora adequada. Não deixa de ser curioso que o panorama escandinavo seja, actualmente, uma caxinha de boas supresas no que respeita a gente com talento para canções melodiosas e simplicidade nos meios utilizados, de que recordo os exemplares Kings of Convenience. José González vagueia por terrenos semelhantes, mas é mais intimista.