31 janeiro 2007

Frescura e melodia

Se há aspecto que deve alegrar qualquer melómano é que, em Portugal, está a consolidar-se, actualmente, uma produção de jazz protagonizada por músicos que, por cá ou em qualquer outra parte do mundo, merecem ser escutados com a devida atenção. Desde o nascimento deste blogue já citei álbuns de Bernardo Sassetti, Mário Laginha e Carlos Bica mas a estes há que acrescentar mais nomes e gravações que serão devidamente citadas nos próximos tempos. A que hoje tem direito a destaque é a mais recente edição do sexteto do baterista Mário Barreiros, intitulada Dedadas. A primeira referência positiva vai para as excelentes composições, todas elas originais dos elementos da banda, entre as quais três da autoria do respectivo líder. De seguida, há que assinalar a superior qualidade dos instrumentistas, matéria em que eu sublinharia o labor de José Pedro Coelho, José Luís Rego e Mário Santos, que asseguram os saxofones soprano, alto e tenor e ainda os clarinetes, assim como o pianista Pedro Guedes. Mário Barreiros, já se sabe, é um baterista com provas dadas e está à altura dos seus créditos. Dedadas é um disco de post-bop, fresco e melodioso. O jazz feito em Portugal está vivo e recomenda-se.

30 janeiro 2007

O grande Benny Carter

Sobre Benny Carter, Julian "Cannonball" Adderley afirmou tratar-se de um dos maiores virtuosos no saxofonoe alto, mas que, ao escutá-lo, tudo parecia ser simples. "Cannonball", que escreveu na história do jazz uma das páginas indeléveis no que respeita àquele instrumento, tinha um posto de observação privilegiado para avaliar o trabalho de Carter. O comum dos mortais pode apenas registar que os melhores entre os melhores guardavam uma enorme admiração pelo trabalho de Benny Carter, como foi, também, o caso de Miles Davis que chegou a dizer que o saxofonista era, ele próprio, toda uma educação musical. Se nomes tão incontornáveis como "Cannonball" Adderley e Miles emitiram juízos tão abonatórios, quem sou eu para os contrariar? Resta, assim, escutar Benny Carter e desfrutar da sua música e dos arranjos que construia para os temas que incluiu nos seus discos. Further Definitions, gravado em 1961 com a ajuda de estrelas como Phill Woods ou Coleman Hawkins, e a que, na versão em CD, foram acrescentados temas de uma sessão realizada em 1966, é um álbum transbordante de swing. E uma paragem obrigatória para quem não queira falhar os momentos incontornáveis da evolução do jazz.

29 janeiro 2007

Rural, urbano e psicadélico

Os elementos fundadores dos Brightblack Morning Light não querem nada com ambientes urbanos e parece que vivem - ou viveram - como uns eremitas no Norte da Califórnia. Mas pela audição do álbum homónimo, que andou bem cotado nas classificações dedicadas às melhores edições de 2006, ninguém diria. Isto é, a música que se ouve neste disco evoca a vida sem pressas das atmosferas rurais, evoluindo de forma preguiçosa e contemplativa. No entanto, quem vá ao encontro dos Brightblack Morning Light com a expectativa de escutar mais uma banda de guitarras acústicas, harmónica e pandeireta, vocacionada para cantar temas de embalar em redor de uma fogueira, estará equivocado. A música é repousada, sem dúvida, mas assenta também numa costela urbana e psicadélica que lhe fornece um fortíssimo poder de atracção e uma invulgar capacidade para sugerir paisagens da América profunda. Não há temas em especial a destacar. Tudo é enfeitiçamento neste disco surpreendente e imperdível.

28 janeiro 2007

Era uma vez um rapaz

Charlie Brown pode ser o maior falhado da história, facto testemunhado por largos milhões de leitores dos livros e de fãs das séries televisivas que tinham como protagonistas todas aquelas fantásticas figuras da banda desenhada criada por Charles Schulz. Mas isso não impediu aquele rapaz, ora resignado, ora inconformado com o fraco destino dos seus empreendimentos, assim como os restantes Peanuts, de se transformarem em ícones para sucessivas gerações. Um dos factos curiosos associados ao fenómeno Peanuts é que a banda sonora no formato TV era constituída por temas de jazz, facto um tanto ou quanto invulgar, embora não exclusivo, quando se sabe que o primeiro destinatário do projecto era o público infantil. Vince Guaraldi foi o pianista responsável pela música e teve aqui um dos momentos altos da sua carreira. Tocando em trio, juntamente com o contrabaixista Monty Budwig e o baterista Colin Bailey, Guaraldi assinou sozinho a quase totalidade das composições de A Boy Named Charlie Brown, a primeira banda sonora que gravou para a série. O disco é de 1964 e, provavelmente, terá significado para muitos fãs das situações imaginadas por Schulz uma oportunidade inicial de contacto com o jazz. Pelo objecto de inspiração e pela música, vale a pena conhecer este álbum.

27 janeiro 2007

Dexter "Jazz" Gordon, parte 2

Quando, em 1976, Dexter Gordon decidiu regressar aos Estados Unidos, de onde saíra em 1962, deu alguns concertos no clube Storyville que, para sua completa surpresa, atraíram uma vasta atenção dos media e do público, incluindo uma legião de jovens apreciadores. Perante este forte interesse, Gordon cumpriu, posteriormente, uma semana praticamente completa de actuações em Nova Iorque, no Village Vanguard. Este festejado regresso do saxofonista a terras do tio Sam, capaz de provocar longas filas à entrada do histórico clube de jazz onde foram gravados muitos momentos de excelência de grandes nomes da música, foi registado e editado. E este facto permite a qualquer comum mortal avaliar, hoje em dia, por que motivo gerou tamanho frenesim o pico de forma com que Dexter Gordon viajou da Europa. As prestações do quinteto - que inclui estrelas como Woody Shaw, no trompete - ao longo dos oito temas que preenchem os dois discos de Homecoming são verdadeiramente incendiárias. Só é pena que a edição tenha excluido um detalhe. Gordon costumava recitar uma parte da letra dos temas antes de começar a interpretá-los, porque, explicava, para compreender uma canção era necessário conhecer as palavras. Excluindo este pormenor, tudo o resto é música de alto nível.

26 janeiro 2007

Dexter "Jazz" Gordon

"Para mim, Dexter Gordon não tocava apenas jazz, ele era o jazz". É com estas palavras que o pianista George Cables inicia o texto que acompanha o disco em que recorda e presta homenagem a um dos grandes saxofonistas de todos os tempos, influenciado por nomes tão ilustres como Lester Young e Charlie Parker e inspirador de outros gigantes como Sonny Rollins e John Coltrane. A declaração de Cables pode parecer exagerada. Mas o pianista, que acompanhou a banda de Dexter Gordon entre 1976 e 1978, quando este protagonizou um estrondoso regresso aos Estados Unidos depois de ter vivido 14 anos na Europa, é bem capaz de saber do que fala. Neste disco, A Letter to Dexter, George Cables, um dotado executante da região mainstream, interpreta temas compostos pelo próprio Gordon ou que o saxofonista gostava de tocar, sendo acompanhado por Rufus Reid, no contrabaixo, e Victor Lewis, na bateria. É uma homenagem digna e competente, a que aqui e ali talvez falte algum do fulgor que o velho mestre colocava nas suas actuações mas que, ainda assim, faz justiça a um dos monstros sagrados do saxofone.

25 janeiro 2007

Serão com Brad Mehldau

O serão de ontem, no grande auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, foi daqueles que tão cedo ninguém que lá tenha estado poderá esquecer. Em palco, perante uma casa cheia e ávida de boa música, esteve Brad Mehldau, a sós com um piano, atacando as teclas para interpretar temas que têm figurado nos seus álbuns mais recentes. Mehldau, depois de um início de carreira em que trabalhou essencialmente sobre velhos clássicos, foi progressivamente avançando para a exploração das potencialidades de material do rock, da pop e do folk que, através das suas mãos, sai invariavelmente enriquecido. Interpretou temas como My Favourite Things, mas também Martha My Dear e Mother Nature's Son, dos Beatles, Exit Music (For a Film), dos Radiohead, Still Crazy After All These Years, de Paul Simon, e Day Is Done, de Nick Drake, outro dos cantautores a que tem dedicado especial atenção. Brad Mehldau não esmagou a plateia apenas através do seu óbvio virtuosismo. A emoção com que fez soar cada nota foi o factor decisivo para os cinco encores que acabaram por ajudar a fazer com que, neste concerto, a relação entre custo e benefício tenha sido largamente favorável para quem teve a feliz ideia de sair de casa numa noite fria e, durante cerca de duas horas, deslumbrar-se com a arte de um músico excepcional. Toda a obra discográfica de Brad Mehldau merece ser conhecida e venerada. Day Is Done, de 2005, é apenas uma sugestão.

24 janeiro 2007

Ainda bem que não é country

Aqui há uns tempos, li algures que para compreender a América há que conhecer a música country e os temas que são abordados nas canções. Eu não sei se isto é absolutamente necessário, mas considero que tal tarefa me seria um pouco penosa. A country, pura, sem outros ingredientes que lhe alterem o paladar, é um prato que me provoca enjoos com uma extrema facilidade. Há excepções? Claro. Por exemplo, Jenny Lewis que, tendo o género de voz que se ajustaria a intérprete da mais imaculada country, teve a feliz ideia de não se agarrar à ideia, se é que alguma vez tal intenção lhe terá passado pela cabeça. Daí que Rabbit Fur Coat, com os seus altos e baixos, seja um álbum com uma meia dúzia de boas canções. E neste grupo incluem-se The Big Guns e Rise Up With Fists!, além da versão de um tema dos Traveling Wilburys que me é especialmente querido: Handle With Care. Sem ser um álbum globalmente brilhante, Rabbit Fur Coat tem os seus golpes de asa.

23 janeiro 2007

Massagem vigorosa

É verdade. Gosto de muitas canções dos velhos álbuns de James Taylor como Mud Slide Slim ou Sweet Baby James. Mas o assunto, hoje, tem a ver com o outro James Taylor, aquele que, com o seu quarteto, se transformou num pioneiro do acid-jazz, produzindo música bem mais vitaminada do que as baladas que justificaram a fama alcançada pelo seu homónimo no início dos anos 70. Os discos do James Taylor Quartet são uma descarga de energia desencadeada a partir do orgão manuseado pelo líder da banda, misturando funky, bossa nova e bop, sem intervalos para repouso. Get Organized tem uma dose generosa desta música festiva, empolgante e que incentiva a que se puxe um pouco mais pelos controlos do volume para que possa ser desfrutada em pleno. É como uma massagem vigorosa para quem se sinta entorpecido.

22 janeiro 2007

A boa onda de Aimee Mann

Os grandes fazedores de canções algum dia acabam por assinar um trabalho de rara qualidade. No caso de Aimee Mann, entre aquilo que produziu até agora, isso sucedeu com o álbum Bachelor No. 2. Lembro-me de ter encontrado este disco fortuitamente num posto de escuta da desaparecida mega-store da Valentim de Carvalho, no Chiado, em Lisboa. O nome, para mim, era estranho e depois de ter escutado algumas das faixas hesitei em arrebatá-lo, porque me pareceu que tudo soava a algo que já teria ouvido antes. Não sei exactamente porquê, mas o facto é que acabei por adquirir o CD que, desfeita a resistência inicial, acabou por passar uma larga temporada no meu top de audições. A voz segura e tranquila de Aimee Mann, as melodias simples mas elegantes são os ingredientes que me fazem continuar a gostar muito deste disco e a seguir de perto aquilo que a sua autora vai fazendo. É daqueles ábuns que, para resumir, é "boa onda". Tem o dom de pôr uma pessoa num estado de espírito positivo.

21 janeiro 2007

Atrás de um, vem outro

Por vezes, quando se pega num disco para escutar algo que não se ouvia há muito tempo, surge a vontade de prosseguir o combate às saudades. Aqui há uns dias, limpei o pó ao álbum de estreia dos Tindersticks e, desde aí, a banda de Stuart Staples tem sido uma companhia fiel em casa ou no carro. Quatro anos depois de aquele disco ter sido lançado, surgiu Curtains, com uma colecção de canções mais apuradas, numa fase de grande maturidade e consolidação na vida do grupo. Gosto praticamente de todos os temas do álbum, embora seja capaz de destacar Dick's Slow Song, Ballad of Tindersticks, Desperate Man ou Bathtime. De uma forma geral, as orquestrações acrescentam drama e espessura aos temas e, para variar, a capa também me agrada o que, não sendo decisivo, é um pequeno detalhe adicional a favor de Curtains.

18 janeiro 2007

Bert Jansch e companhia

Black Swan, o mais recente trabalho do guitarrista Bert Jansch, é uma das suas melhores gravações de sempre e desse facto aqui foi dada conta em ocasião anterior. Aliás, este veterano não costuma desiludir e a sua produção discográfica tem sido caracterizada por uma grande regularidade em termos qualitativos, o que não é negligenciável para quem anda há mais de 40 anos a frequentar os estúdios. Um álbum de 2002, Edge of a Dream, é mais um entre muitos que atestam as invulgares capacidades de Jansch como autor de canções e guitarrista. Acresce que, também neste caso, o antigo elemento dos Pentangle faz questão de ter por perto algumas colaborações que fornecem importantes mais-valias, como Bernard Butler, ex-Suede, Hope Sandoval, com quem Bert Jansch colaborou em Bavarian Fruit Bread, e, last but not least, Dave Swarbrick, violinista e outro veterano do folk britânico. Como costumam assinalar as lojas electrónicas, se gostou de Black Swan também vai gostar de Edge of a Dream.

17 janeiro 2007

Don Byron, Junior Walker e James Brown

Poucas discografias terão atravessado estilos tão diferentes em tão pouco tempo como o que sucede com a que reune as gravações lideradas por Don Byron. Parece que o clarinetista e saxofonista se embrenha na música que, em cada momento, mais gozo lhe dá fazer e, de caminho, aproveita para prestar tributo a algumas figuras a quem reconhecerá o papel de fontes de inspiração para a sua carreira. Em Do The Boomerang, o funky é rei e a música, como se pode começar a suspeitar logo a partir do trabalho gráfico da capa, é feita não só para escutar mas, também e sobretudo, para dançar. No centro deste trabalho está Junior Walker, o saxofonista que ajudou a construir o som Motown, e o funky e rythm and blues que explodiram nos anos 60. O elenco que acompanha Don Byron inclui nomes sólidos como o guitarrista David Gilmore - não confundir com David Guilmour, dos Pink Floyd - e o organista George Colligan. A referência a este CD justifica-se, igualmente, por fornecer a oportunidade para uma homenagem, ainda que tardia, a James Brown. É deste velho mestre, recentemente desaparecido, a autoria de um dos temas mais fortes de todo o álbum, There It Is.

16 janeiro 2007

A candeia de William Parker

Dos discos de William Parker devem esperar-se surpresas. O contrabaixista é um nome de créditos firmados no mundo da vanguarda, com edições que são desafios aos espíritos conservadores. Por vezes, no entanto, desce a paragens menos complexas, mas nem por isso menos estimulantes para quem se cruza com a sua música. Por exemplo, em Luc's Lantern Parker aperece em trio, com Eri Yamamoto, no piano, e Michael Thompson, na bateria. Aqui e ali, notam-se semelhanças com algum do trabalho do pianista Mathew Shipp, responsável pela Blue Series da etiqueta Thisty Ear que edita este CD. É um trabalho totalmente preenchido com composições do líder da banda e, para quem não conheça, uma porta de entrada acessível para a sua discografia. Recomenda-se, se a intenção é a de encontrar um disco em trio que não se limite a tentar reinventar os velhos standards.

15 janeiro 2007

Duas centelhas de vida

A viragem da década de 60 para a de 70 foi importante na carreira dos Rolling Stones. Sucederam-se álbuns que têm lugar entre o que de melhor a banda produziu, numa altura em que a veia experimentalista de Brian Jones foi afastada da música dos Stones, para um regresso à linha dura dos blues e do rock, servida por riffs de guitarra que se tornaram numa fortíssima imagem de marca. Depois da edição de Sticky Fingers e de Exile on Main Street, a banda iria entrar em fase de menor inspiração, produzindo alguns êxitos ditados pelas modas do momento, com destaque para o abominável disco-sound. Goats Head Soup, o sucessor do aclamado Exile, foi uma desilusão. Globalmente, apesar de integrar Angie, mostrava uma banda desorientada, sem rumo. Ainda assim, muitos anos depois, acho que há um ou outro detalhe que vale a pena neste disco. Gosto da guitarra em Dancing With Mr. D e dos blues de Hide Your Love, com Mick Jagger no piano, tema que poderia ter sido integrado, sem desafinar, no alinhamento de Exile on Main Street. São duas centelhas de vida num álbum medíocre.

14 janeiro 2007

A Primavera de Bill Evans

Escolher um disco quando apetece escutar Bill Evans não é tarefa fácil. A discografia do pianista é vasta e, nos últimos anos, os apreciadores têm sido presenteados com caixas que testemunham as suas derradeiras prestações em concerto, o que acrescenta, embora por excelentes motivos, dificuldades a uma decisão. Para quem goste de trios de piano, a obra de Evans tem muito para oferecer. Ontem, para pôr cobro a um longo período em que nenhum álbum de Bill Evans passou pelo meu leitor de CD, optei por You Must Believe in Spring. Foi gravado em 1977 mas viria a ser lançado em 1981, já após a morte de Evans, referência incontornável, ainda hoje em dia, para dezenas de pianistas. É um belo exemplo da poesia da sua música e da consistência que marcou as parcerias que manteve com muitos dos melhores bateristas e contrabaixistas do seu tempo. Um disco sereníssimo e inspirador.

13 janeiro 2007

Eu ontem adormeci assim

Há alguns anos que não pegava num disco dos Tindersticks. Quando me foram apresentados, à época da edição do seu album de estreia, estranhei a música. Pareceu-me demasiado densa e melancólica em relação às expectativas que me haviam sido criadas e, porque acabei por fazer uma audição pouco mais do que ligeira, devolvi o álbum que me havia sido emprestado e desliguei. Como há discos que parece que nos perseguem, pedindo mais justiça e critério na apreciação, algum tempo depois voltei casualmente a escutar o disco e, por fim, descobri o admirável mundo novo dos Tindersticks. Durante alguns anos não mais deixei de estar atento à suas edições, mas acabei por interromper o contacto com a banda por altura da edição de Simple Pleasure, quando os anos 90 chegavam ao fim. Ontem, quando procurava uma banda sonora que me ajudasse a terminar o dia em alta, regressei aos Tindersticks e a este álbum homónimo. Para além das excelentes canções e da voz intimista de Stuart Staples, tem uma das mais belas capas de que me recordo.

12 janeiro 2007

O laboratório da pop e da electrónica

Os Stereolab raramente se desviam do seu caminho e, no entanto, quase década e meia depois de terem começado a lançar álbuns parecem estar mais frescos do que nunca. As referências da banda estão solidamente enraizadas na pop dos anos 60 e na electrónica e os resultados do seu labor soam a grande simplicidade. Mas o que caracteriza a discografia do Stereolab são as canções sofisticadas e os arranjos que lhes conferem uma personalidade muito própria. Estou convencido que não há outra banda semelhante na arte de trabalhar fontes de inspiração tão exploradas por milhares de concorrentes e que se mostre, simultaneamente, tão original. Margerine Eclipse, de 2004, é um dos grandes ábuns dos Stereolab, em que os ingredientes habituais da sua música se misturam de forma quase perfeita, num cocktail apurado através de um produção impecável. Até o remate disco de Dear Marge, assenta que nem uma luva como finalização desta visita ao laboratório sonoro do grupo anglo-francês. Aconselha-se a audição num sistema que realce o aproveitamento das potencialidades da estereofonia que também faz parte dos pergaminhos da banda.

11 janeiro 2007

Keystone, parte 2

Para combaterem as quebras nas vendas de discos, as editoras têm multiplicado esforços para melhorar o produto sem terem de baixar os preços. É assim que eu vejo os cuidados redobrados com as capas dos CD ou as edições com extras que nem sempre justificam a aquisição. Há outras situações em que se junta o útil ao agradável. São os própios músicos que decidem juntar o som à imagem, acrescentando valor, como diriam os economistas, às suas edições. Keystone, de Dave Douglas, é um caso recente. Contém dois discos. O primeiro, que já foi referido aqui num post anterior, está inteiramente preenchido pelo trabalho do trompetista e da sua banda, numa fusão entre a electrónica e o jazz. O segundo inclui dois filmes, de meados dos anos dez do século passado, realizados pelo comediante Roscoe Arbuckle, a que Douglas decidiu juntar bandas sonoras da sua autoria. Ver e escutar este DVD é uma experiência interessante, a começar pelo contraste entre o modernismo da música de Dave Douglas e o hábito de ouvir, nestas situações, o ragtime que ajudou a suprir a ausência de som nos tempos do cinema mudo. Acresce que há um lado de homenagem e de reabilitação neste trabalho, dirigida a um homem que viu a sua carreira destruída pelo envolvimento num escândalo em que não chegou o facto de a justiça ter optado, à terceira decisão, pela absolvição e um pedido de desculpas. A música é boa e dá que pensar.

10 janeiro 2007

Uma colheita muito boa

A propósito da juke box em que conheci David Bowie, lembrei-me de outro single que rodava com regularidade. Apreciada por parte da pequena plateia juvenil que se agrupava em torno da máquina, a canção Me and Bobby McGee era uma das presenças regulares na curta play list. O facto desagradava-me porque, entre o pouco de que eu na época gostava de Janis Joplin, aquele tema não me seduzia. Mas, com espírito democrático e pluralista, era preciso fazer cedências para conseguir conquistar algo num processo negocial que, por vezes, não era fácil. Se não estou em erro, no lado oposto do 45 rotações em que figurava o tema composto por Kris Kristofferson, estava uma outra canção, essa sim, em que a prestação de Joplin e da sua banda me entusiasmava. Tratava-se de Move Over, com a sua entrada forte de bateria sobre a qual surgia a voz rouca da cantora, talhada entre os blues, o rock e julgo que muito bourbon, para além de outras substâncias. Há coisas que ficam, como esta faixa que abre Pearl, o derradeiro álbum de Janis Joplin. Curioso, mesmo, é que estou a chegar à conclusão de que os singles instalados naquela lendária juke box eram todos, ou quase todos, de 1971, a avaliar por este, de Joplin, e pelo que foi referido no post anterior, de David Bowie. Nesse ano, tudo o indica, a colheita foi muito boa.

08 janeiro 2007

Apenas mais um texto sobre David Bowie

Hoje, não há gato-sapato que não assinale os 60 anos de David Bowie. Por isso, aqui fica mais um texto sobre o "camaleão". A primeira canção de Bowie que me lembro de ter escutado foi Life On Mars?, numa juke box roufenha instalada na esplanada de um café. As férias de Verão já estavam a chegar ao fim e, à falta de melhor, um grupo de amigos reunia-se pela tarde junto da maquineta, juntava os tostões disponíveis e escutava meia dúzia de singles. Não abundava o material novo e, tanto quanto me recordo, a canção já tinha sido editada há dois ou três anos quando finalmente me foi apresentada. A adesão foi instantânea e ainda hoje é um dos temas de que mais gosto entre a já vasta obra de David Bowie. Nesse início dos anos setenta, o músico ainda vestia a pele de Ziggy Stardust, assumindo-se como uma das personagens mais exóticas nessa onda a que se foi dado o apelido de glam-rock. Não sou um fã incondicional, mas aprecio a capacidade de Bowie para se reinventar, na imagem e na música, sempre atento, e algumas vezes à frente, das tendências. Podia destacar, aqui, Hunky Dory, quanto mais não seja porque é o álbum que inclui Life On Mars?. Mas prefiro homenagear o aniversariante através de Diamond Dogs. Foi o primeiro, e durante muito tempo, o único LP que detive de David Bowie e, por isso, tenho-lhe um afecto especial. Além do mais, o riff de Rebel Rebel é merecedor de figurar em qualquer antologia da pop.

07 janeiro 2007

O desafio de Rachmaninov

O concerto nº 2 para piano, de Rachmaninov, é um dos grandes desafios que podem ser colocados a um pianista clássico. Com um quarteto de jazz, o que poderia suceder se decidisse explorar as possibilidades desta peça incontornável da história da música, transpondo as suas complexidades para uma nova linguagem? Foi este o desafio que o Classical Jazz Quartet decidiu enfrentar, depois de ter pegado em peças de Tchaikosky e de Bach e de as ter vestido de novo, num exercício bem sucedido de que dei conta em textos anteriores. Em comparação com a obra dos dois outros compositores que inspiraram Kenny Barron, Ron Carter, Stefon Harris e Lewis Nash, a música de Rachmaninov é mais exigente para o ouvido, mais cerebral, menos susceptível de ser objecto de uma adesão imediata. Daí que Play Rachmaninov, o título deste disco, seja, na trilogia em causa, aquele que pede mais concentração. Mas é apenas aqui que está a diferença. Tal como nos anteriores CD, o quarteto consegue dar a volta às pautas, respeitando-as quanto baste, mas libertando-se das suas amarras para criar algo de novo, como compete aos bons músicos de jazz. E acontece que estes quatro não são apenas bons. São óptimos.

06 janeiro 2007

Do cool ao bop

Na década de 50, com a ascensão de Miles Davis e do seu primeiro quinteto histórico, não terá sido fácil ser trompestista e fazer concorrência. Chet Baker foi um dos "desafiadores". E embora a história, por boas razões, não lhe tenha reservado um lugar semelhante ao que destinou a Miles, seria uma insensatez passar ao lado da sua obra. Baker foi um instrumentista de superior qualidade e, depois de uma vida atribulada, acabou por deixar uma discografia digna de ser explorada. Pela minha parte, confesso que não tenho dado a este trompetista toda a atenção que merece. Mas há momentos em que me empenho em corrigir esta lacuna. Gravado em quinteto e incluindo, na versão em CD, três temas em sexteto, Chet Baker & Crew é uma boa razão para o fazer. Foi registado em três sessões realizadas no final de Julho de 1956, que deram origem a outros álbuns, e revela o trompetista e os seus companheiros intensamente mergulhados no bop, solando com uma flama contrastante com o comedimento e o intimismo do cool jazz de que Baker foi um expoente nos anos de arranque da sua carreira. Para mim, que prefiro o Chet Baker que toca ao Chet Baker que canta, este é um dos seus grandes discos.

05 janeiro 2007

Long live "John Barleycorn Must Die"

Este álbum, de 1970, começou por ser a primeira tentativa de Steve Winwood para gravar um disco a solo. Na altura, era um jovem de 22 anos e a sua ambição elevada: queria tocar todos os instrumentos. Talvez tenha sido um caso de "mais olhos do que barriga" e aconteceu que os intentos iniciais ficaram pelo caminho. A estreia numa carreira por sua conta e risco ficou para alguns anos mais tarde, quando a década de 70 já ia adiantada. À medida que a gravação de John Barleycorn Must Die começou a arrancar, os companheiros de Winwood nos Traffic foram entrando pela porta do estúdio. E foi assim que o álbum que devia lançar Steve Winwood num percurso a solo acabou por ficar para a história como o quinto na discografia dos Traffic e como um dos discos que deixaram marca no jazz-rock. Aquilo de que mais gosto neste disco é o instrumental Glad, com o piano a anunciar e a repetir o tema, antes de o protagonismo se deslocar para o saxofone. Mas também aprecio Freedom Ryder e Empty Pages, com destaque para a passagem em que Winwood se entrega a um solo de piano eléctrico. E pronto. Este foi, ontem, o meu momento de nostalgia.

04 janeiro 2007

Zero 7, Fragile State e Neil Cowley

Neil Cowley decidiu assumir uma nova faceta. Em trio, acaba de surgir por aí um registo do teclista que assinala a sua entrada no mundo do jazz. Diz quem já escutou, que se trata de uma surpresa positiva. As referências que se podem ir lendo confirmam esta avaliação e estabelecem semelhanças com o trabalho do pianista Esbjörn Svensson. Sendo assim, fiquei alerta e com o apetite aguçado para, assim que houver oportunidade, colocar as mãos em cima de um exemplar e escutá-lo. Enquanto essa hora não chega, vale a pena assinalar o anterior registo de Cowley, sob a designação de Pretz. Trata-se de Soundcastles, um álbum carregado de piano eléctrico, com aquela sonoridade que se pode encontrar nos discos dos Zero 7 ou dos Fragile State. Não é de admirar que assim seja e que as faixas evoquem, irremediavelmente, estes dois nomes da pop electrónica. Neil Cowley, como é devidamente sublinhado na capa deste disco, foi teclista dos primeiros e fundador dos segundos, percebendo-se, agora, quão influente foi o seu trabalho em ambos os projectos. O teclista assegura a produção, a composição e todos os instrumentos utilizados em Soundcastles, excepto a guitarra presente nalguns dos temas. É um bom disco e, a ser gravado pelos Zero 7, teria sido um melhor sucessor de When It Falls do que The Garden.

03 janeiro 2007

Rebeldes com uma velha causa

Os especialistas dizem que Howl representou uma viragem no som dos Black Rebel Motorcycle Club. Não posso contestar porque, desta banda, apenas conheço este álbum, lançado em 2005. Comprei-o porque gostei da natureza retro da música. As canções ganham vida sobre guitarras acústicas, entre o folk, a country e os blues, com a harmónica, aqui e ali, a completar uma atmosfera que faz lembrar discos de outras bandas e de outros tempos. A avaliar pelo que pude ler sobre a discografia, ainda curta, dos Black Rebel, há um ou outro detalhe em Howl que assegura, ainda, uma ligação, diz-se que ténue, com o passado do grupo. As guitarras eléctricas ruidosas fazem a sua aparição por breves momentos, estabelecendo uma outra ponte retro mas, neste caso, com nomes dos anos 80 como os Jesus and Mary Chain. Salvo melhor opinião, ou mais bem fundamentada, acho que este é capaz de ser o álbum dos Black Rebel Motorcycle Club que melhor se adequa ao que gosto de ouvir nos dias que correm quando me sinto inclinado a passear nos terrenos alternativos da pop. Também acho graça ao nome da banda. Faz-me lembrar ícones de outras eras, como Easy Rider. Tudo junto, é suficiente para me fazer simpatizar com Howl.

02 janeiro 2007

Um trio de ases

Não sei se, à semelhança do que sucedeu com Leo Kottke, foi por achar insuficiente tocar um instrumento de que se tira uma nota de cada vez, que Marc Copland decidiu abandonar o saxofone para se dedicar ao piano. Nem sei, também, se na conlusão a tirar deste facto se pode afirmar que se terá perdido um saxofonista prometedor. Pelo menos, é possível reconhecer que se ganhou um bom pianista, digno das melhores referências que se podem notar na sua obra, entre as quais é corrente incluir Bill Evans ou Keith Jarrett. O primeiro volume de New York Trio Recordings, que tem como subtítulo Modinha, tema de Tom Jobim, é revelador das qualidades de Copland como instrumentista e do seu apurado sentido melódico. Acresce que o pianista está em muito boa companhia. Por um lado, porque tem no contrabaixo a ajuda do experiente Gary Peacock, habituado a lidar com gente exigente como Jarrett, com quem toca regularmente há mais de 20 anos. Depois, porque na bateria está Bill Stewart, um dos nomes de primeira linha das novas gerações. Daqui resulta um álbum equilibrado, em que há espaço para os três músicos brilharem através de clássicos de terceiros, como Modinha, e temas originais do próprio trio como Half a Finger Snap, Flat Out ou Rain. A avaliar por esta estreia, vale a pena dar atenção as próximos volumes.

01 janeiro 2007

Melhor do que Guronsan

Pelo final dos anos 70, Art Pepper foi desafiado pelo produtor Yasuyuki Ishihara a gravar um conjunto de sessões com músicos que tivessem acompanhado o saxofonista nos tempos de arranque da sua carreira, na década de 50. Circunstâncias contratuais impediam Pepper de, na altura, surgir como líder numa etiqueta que não aquela com que se encontrava comprometido, a Galaxy, em regime de exclusividade. Felizmente, os problemas foram ultrapassados. O músico remeteu-se, formalmente, ao papel de sideman e é devido a este simples mas eficaz estratagema que se deve agradecer o facto de, hoje em dia, podermos escutar a música incluida nos cinco discos que compõem a vistosa caixa de título The Hollywood All-Star Sessions. Este é um dos eventos marcantes no percurso de um dos nomes que merecem ficar gravados a dourado na história do jazz e figurar no topo da lista que inclua os mais incontornáveis executantes de saxofone alto. A música é enérgica, fresca e directa, Art Pepper tira notas do sax com vivacidade e emoção e, para quem necessite de algo para curar ressacas de Ano Novo, este é um remédio capaz de fazer sombra ao tradicional Guronsan. A cereja que remata o bolo, está na belíssima qualidade do som na versão em CD.